Camaradas e amigos
Esta iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Peniche e pela União de Resistentes Anti-fascistas Portugueses, a que se associou a Comissão das Comemorações do Centenário de Álvaro Cunhal, recorda o que foi um dos mais negros símbolos da ditadura fascista e como se concretizou a histórica fuga da cadeia do Forte de Peniche em 3 de Janeiro de 1960.
Ela representa simultâneamente uma justa homenagem a Álvaro Cunhal e àqueles que com ele protagonizaram uma das mais importantes e espectaculares fugas das cadeias fascistas, uma justa homenagem a todos quantos nesta prisão de alta segurança e noutras prisões da ditadura sofreram longos anos de privação da liberdade para que o povo português pudesse ser livre.
Mas esta evocação, constituindo um indispensável acto de memória, está voltada, não para o passado mas para o presente e para o futuro e é em si mesma momento simbólico de uma luta a que não podemos dar tréguas.
Luta contra o esquecimento.
Luta contra as tergiversações e falsificações da História.
Luta contra o branqueamento e desculpabilização da ditadura fascista, para muitos reduzida a um banal “regime autoritário” ou simplesmente classificada de “Estado novo”, classificação que o próprio Salazar atribuía à sua criatura, inspirada em Mussolini e admiradora da Alemanha nazi.
Luta para que se não esqueça que o fascismo era “a ditadura terrorista dos monopólios (associados ao imperialismo) e dos latifundiários” pelo que a conquista da liberdade exigiu a realização de transformações sócio-económicas profundas que a revolução concretizou mas que a contra-revolução têm vindo sistematicamente a destruir, com as graves consequências que todos conhecemos.
Luta para que as novas gerações, homens, mulheres e jovens que já nasceram depois da Revolução de Abril e consideram a liberdade tão natural como o ar que se respira, saibam quanto custou conquistá-la para que saibam defendê-la, e com ela, defender o regime democrático e os valores de Abril que a Constituição da República Portuguesa, apesar de ferida por sete revisões mutiladoras, explicitamente consagra.
Luta que adquire particular importância na batalha das ideias quando, para impor a sua política de empobrecimento do povo e de destruição do país, a classe dominante se empenha numa violenta ofensiva ideológica para semear entre as massas sentimentos de fatalismo e de descrença na força da sua luta organizada.
Não, camaradas e amigos, não é verdade que as políticas de direita, de retrocesso social, de mutilação democrática e de entrega ao imperialismo não tenham alternativa.
Tal como o fascismo acabou derrotado pela força da luta popular em que a heróica fuga da cadeia do Forte de Peniche se insere, também a força da luta popular acabará por pôr fim a mais de 37 anos de políticas de direita e alcançar a alternativa patriótica e de esquerda necessária a um Portugal com futuro.
Aquilo que a heróica fuga de 3 de Janeiro de 1960 representou no caminho para o derrubamento do fascismo, inspira-nos e incita-nos a prosseguir a luta com determinação e confiança.
A fuga de Peniche constituiu uma pesada derrota do fascismo.
Por si só, pelo heróico feito que significou, ela foi um extraordinário estímulo para o desenvolvimento da resistência e da luta popular, incutiu confiança na possibilidade de infligir duros golpes num inimigo que se apresentava como impenetrável e invencível, aumentou o prestígio e a autoridade do PCP e da sua Direcção entre a classe operária e as massas.
O reforço do núcleo dirigente do Partido possibilitado pela fuga desempenhou um importante papel na elaboração da linha política e no reforço da intervenção geral do Partido. O desvio de direita dos anos 56/59 foi corrigido e reposto o levantamento nacional como a via apontada pelo Partido para o derrubamento do fascismo, dando mais força e entusiasmo revolucionário aos comunistas. Em Março de 1961 Álvaro Cunhal foi eleito Secretário-Geral, cargo que não existia desde o falecimento de Bento Gonçalves em 1942 no Campo de Concentração do Tarrafal.
Apesar das importantes baixas que sofreu nos anos seguintes com a prisão de dirigentes e de destacados funcionários, reforçaram-se as fileiras do Partido e a sua intervenção revolucionária. A campanha da Oposição Democrática nas “eleições” de 1961, as manifestações de massas do 1º de Maio de 1962, as grandes greves no mesmo ano do proletariado dos campos do Alentejo e Ribatejo que levaram à conquista das 8 horas, têm a marca do Partido. A elaboração política e teórica que, passando pelo histórico “Rumo à Vitória” conduziu ao VI Congresso do PCP e à aprovação do Programa da Revolução Democrática e Nacional, insere-se numa mesma dinâmica de fortalecimento do papel do PCP na vida portuguesa, inseparável da fuga da cadeia do Forte de Peniche.
Bem podemos na verdade dizer que a vitoriosa fuga de Peniche desempenhou um papel da maior importância na arrancada vitoriosa para o derrubamento da ditadura fascista.
Uma arrancada que é inseparável do aprofundamento da crise do regime, do desenvolvimento da luta popular em Portugal e do movimento de libertação nacional nas colónias portuguesas, do crescente isolamento do fascismo no plano interno e internacional, da aproximação da situação revolucionária que finalmente conduziu ao triunfo da Revolução de Abril.
Mas na qual a grande força da Resistência e da Revolução, o PCP, teve um papel decisivo e insubstituível, com a sua fidelidade aos interesses da classe operária e de todos os trabalhadores, a sua base teórica científica, a justeza da sua linha política, a coragem e espírito de sacrifício dos seus militantes, a sua confiança sem limites na criatividade revolucionária e na força invencível das massas, a sua profunda convicção em que, como afirmou Álvaro Cunhal no “Partido com Paredes de Vidro”, “é justa, empolgante e invencível a causa por que lutamos”.
A fuga da cadeia do Forte de Peniche, da sua concepção à sua execução, é bem exemplar desta convicção dos comunistas portugueses e do modo como enfrentavam a prisão.
A prisão como frente de luta. Onde o Partido se organiza, educa os seus membros cimenta laços de solidariedade e trabalho colectivo, combate as injustiças e arbitrariedades e confronta os carcereiros com as suas reivindicações, promove acções de luta que contam com a solidariedade de sectores anti-fascistas, articula com a organização partidária no exterior.
A prisão, que se torna para muitos escola primária, universidade, espaço de estudo, de cultura, de investigação, criação artesanal e artística, onde, nomeadamente, foram concebidos e executados trabalhos de grande valor para a caracterização da situação económica e social do país.
A prisão, onde no meio de tanta arbitrariedade, perseguição e ódio anti-comunista, a confiança dos comunistas no melhor que pode ter um ser humano, torna possível descobrir um enfermeiro, um guarda prisional ou guarda republicano sensível às injustiça da situação prisional e conseguir atraí-lo para a luta, como aconteceu com o guarda republicano que colaborou na fuga de Peniche.
A prisão, de onde fugir é permanente preocupação de quem se não deixa dominar pela impossibilidade, não propriamente por interesse pessoal, para “salvar a pele”, mas para continuar a luta, para continuar a luta clandestina – como o fizeram todos os que em 3 de Janeiro de 1960 fugiram de Peniche – para continuar a correr o risco de prisão, de tortura, de assassinato por amor a causa libertadora do povo.
A prisão, onde gerações de comunistas e também outros anti-fascistas, conseguiram contornar e vencer obstáculos que se julgavam intransponíveis: a fuga de Peniche, como a fuga de Caxias de 4 de Dezembro de 1961 e muitas outras, inclusive fugas que não tiveram êxito, encerram extraordinários exemplos de tenacidade, coragem e criatividade. O livro “12 fugas das prisões de Salazar”, da autoria do camarada Jaime Serra, um dos protagonistas da fuga de Peniche e membro do organismo restrito que dirigiu as operações, é a este respeito particularmente elucidativo.
Camaradas e amigos:
Este novo ano de 2014, em que se comemora o 40º aniversário da Revolução de Abril, apresenta-se carregado de núvens ameaçadoras. Para fazer recuar e derrotar a violenta ofensiva em curso contra os trabalhadores e o povo devemos lembrar e valorizar tudo quanto, na história da resistência anti-fascista como durante o avanço revolucionário libertador, mostra que não há obstáculo que a vontade das massas populares, organizadas e mobilizadas, não consigam derrubar.
54 anos depois podemos e devemos encontrar na fuga da cadeia do Forte de Peniche e no que ela representou rumo à Vitória, valiosos motivos de reflexão e de inspiração para uma luta que continua e continuará. Em defesa da Constituição da República Portuguesa. Pela afirmação dos ideais e dos valores de Abril no futuro de Portugal. Até à vitória definitiva sobre a ditadura do Capital, até à eliminação da exploração do homem pelo homem, até à construção da nova sociedade socialista e comunista objectivo supremo que guiou e inspirou a vida de Álvaro Cunhal.
Ligações:
[1] https://www.alvarocunhal.pcp.pt/evocação-da-fuga-de-peniche