A frente única da classe operária (Informe ao III congresso do PCP [1º Congresso Ilegal])
Novembro de 1943
Nota: Este texto, parte do Informe - Unidade da Nação Portuguesa na Luta pelo Pão, pela Democracia e pela Independência - ao III congresso do PCP (1º Congresso Ilegal)
A frente única da classe operária é uma condição indispensável da sua vitória contra a ofensiva do capital e contra a forma mais brutal do domínio de classe da burguesia: o fascismo. A frente única da classe operária é uma condição indispensável dum movimento vitorioso de Unidade Nacional Antifascista.
Pergunta-se: Como realizar a frente única operária em Portugal?
Após o VII Congresso da Internacional Comunista, houve alguns camaradas que, copiando mecanicamente a linha adoptada em França e em Espanha, entendiam a frente única ser constituída à base da unidade entre o Partido Comunista e outras organizações operárias em Portugal, havendo mesmo um camarada da Direcção do Partido que chegou a sugerir a criação ou revigoramento do Partido socialista a fim de fazer com ele a frente única. Era justa esta orientação? Não, camaradas, não era justa. E porquê? Porque a maioria esmagadora da classe operária no nosso país não pertence a organizações políticas; porque, além do Partido Comunista, as outras organizações políticas operárias eram, já na altura do VII Congresso da IC, apenas resíduos de antigas organizações, então em franca desintegração e com fraquíssimas ligações com as massas. Tal era o caso da CGT e dos «Sindicatos Autónomos». Sem dúvida que a unidade de acção com tais organizações podia facilitar a frente única, melhor: era um passo positivo no caminho da realização da frente única da classe operária. Mas a frente única só podia realizar-se de facto na medida em que as massas de operários desorganizados se unissem na luta diária pelos interesses imediatos, na medida em que lutassem nas fábricas, nas empresas e nas oficinas. É nesta luta diária que está a chave da organização da frente única operária no nosso país.
O camarada Dimitrov notara no VII Congresso da IC:
«Quase não é necessário dizer que a realização concreta da frente única nos diversos países se fará de modo diferente, que tomará diferentes formas, segundo o estado e carácter das organizações operárias, segundo o seu nível político, a situação concreta de cada país, as mudanças operadas no movimento operário internacional, etc. Estas formas podem ser, por exemplo: a acção comum combinada dos operários com um motivo ou outro, por motivos concretos, por reivindicações isoladas, ou sobre a base duma plataforma comum; a acção combinada em diversas empresas ou por ramos de produção; a acção combinada na escala local, regional ou internacional ou nacional; a acção combinada com o fim de organizar a luta económica dos operários, de realizar acções políticas de massas de operários, de organizar a autodefesa comum contra os ataques fascistas; a acção combinada para ajudar os presos políticos e suas famílias; para lutar contra a reacção social; a acção combinada para defesa dos interesses da juventude e das mulheres; no domínio da cooperação, da cultura, dos desportos, etc.» (Os sublinhados são de Dimitrov.)
É nestas acções combinadas que está a realização da frente única no nosso país. Aquele que foi o grande orientador do nosso Partido, o camarada Bento Gonçalves, disse muito justamente no seu informe ao VII Congresso da IC:
«É somente sobre a base da luta pelas reivindicações imediatas da classe operária e todas as massas trabalhadoras, da resistência à ofensiva do Capital, da luta pelos direitos e liberdades democráticas, que devemos, na nossa actividade, realizar a táctica da frente única [...].»
É nestas acções de massas operárias, nas lutas constantes, insistentes, multiplicando-se e renovando-se sem cessar, que se realiza de facto a frente única. É nestas acções que os trabalhadores unidos encontram o caminho da luta vitoriosa contra o patronato e o fascismo.
Actualmente assiste-se em Portugal a potentes lutas de massas, em que a classe operária se mostra unida numa mesma frente de combate. Nos últimos 12 meses, em greves que atingiram dezenas e dezenas de fábricas e empresas, e em que participaram 100 000 trabalhadores e trabalhadoras, a frente única da classe operária mostra toda a sua eficiência. Mas a mobilização de dezenas de milhar de trabalhadores não foi tarefa fácil. A unidade da classe operária não se conseguiu dum dia para o outro. Na aplicação da nossa política da frente única, houve que começar pelas pequenas lutas e movimentos. Sem estas pequenas lutas e movimentos, não teria sido possível criar as condições para as grandes lutas de massas, não teria sido possível alcançar a admirável unidade de combate da classe operária que hoje enche o proletariado de confiança e lança o pânico nas hostes fascistas. Quero, a este respeito, referir-me a algumas objecções que foram feitas por numerosos camaradas, quando o Partido, uns anos atrás, traçou esta orientação para a realização da frente única.
A) — Diziam então alguns camaradas: «O Partido poderá talvez desencadear esses pequenos movimentos reivindicativos, mas, ou as massas nada conseguem com as suas reivindicações, o que é mais provável, ou se alcançam a satisfação das suas reivindicações isso fortalece o fascismo perante a classe operária.»
Eram justas estas observações? Não, não eram.
Em primeiro lugar: A experiência mostrou que as reclamações operárias, quando os operários se encontram unidos e com uma firme vontade de lutar, são muitas vezes satisfeitas pelos patrões e pelo fascismo, que temem que as massas recorram a métodos de luta (suspensão de trabalho, trabalho au ralenti, greve), que lhes causem graves prejuízos. Em segundo lugar: Se as massas conseguem que as suas reclamações sejam atendidas, isso não prestigia o patronato e o fascismo aos seus olhos, pois as massas têm consciência de que o conseguiram pela luta e não por generosidades do patronato e do fascismo. A experiência mostra que um pequeno movimento vitorioso anima as massas para novos movimentos, ensina às massas que a luta é a sua melhor arma, que a unidade é a condição da vitória.
Vê-se assim como era e é justa a orientação do Partido e como eram erradas as objecções desses camaradas.
B) — Mas diziam outros: «Esses movimentos reivindicativos nunca se poderão converter em amplas lutas de massas e não sairão do quadro de reclamações legais.»
Eram justas estas objecções? Não, não eram, camaradas.
Elas reflectiam a incapacidade, a falta de persistência, o «revolucionarismo» de língua de alguns camaradas, esquecidos de que o nosso povo de há muito descobriu a natureza da sua atitude ao dizer que quem não sabe dançar diz que a sala está torta.
Nos pequenos movimentos e lutas está o embrião das grandes lutas de massas. Se as reclamações apresentadas não são atendidas, as massas, desde que estejam unidas e nós tenhamos sabido criar nelas uma forte vontade combativa, sentem necessidade de recorrer a formas superiores de luta e recorrem a elas. A experiência mostra que muitos pequenos movimentos reivindicativos se transformam em amplas lutas de massas.
Vê-se assim como era e é justa a orientação do Partido e como eram erradas as objecções desses camaradas.
C) — Mas diziam ainda outros camaradas: «O Partido poderá talvez desencadear esses pequenos movimentos reivindicativos, poderão mesmo estes transformar-se em amplos movimentos de massas; mas esses movimentos nunca sairão do quadro das lutas económicas, nunca se tornarão lutas políticas contra o fascismo.»
Eram justas estas objecções? Não, camaradas, não eram.
Por um lado: É certo que os pequenos movimentos reivindicativos são, a maior parte das vezes, lutas económicas. Mas com a protecção descarada do Estado fascista ao patronato; com a política fascista em relação aos Sindicatos Nacionais, procurando, sem atender a meios, que estes sejam entregues a rafeiros do patronato; com a interferência do Instituto Nacional do Trabalho sempre contra os operários e em defesa dos interesses dos patrões; em resumo: com a identificação das «leis sociais» do «Estado Novo» e actividade do «Estado Novo» com a sórdida ganância do patronato — as massas trabalhadoras compreendem cada vez melhor que as suas pequenas lutas reivindicativas não são só dirigidas contra este ou aquele patrão, mas também contra o Estado fascista: as massas ganham rapidamente o sentimento de que as suas pequenas lutas reivindicativas defrontam rapidamente um único inimigo: o «Estado Novo», o Estado salazarista. No desenrolar das pequenas lutas reivindicativas, quando os operários tropeçam com a negativa do patronato e com o apoio que a essa negativa dão os organismos do Estado e, ultimamente, quando o patronato se mostra disposto a transigir e o Estado fascista intervém para impedir que o patronato transija, cresce a cada momento o descontentamento das massas contra o Estado fascista, descontentamento esse que se traduz na ideia de que, para alcançar plena satisfação das reivindicações formuladas, é necessário derrubar a ditadura fascista.
É ou não verdade, camaradas, que, nestas condições, as pequenas lutas reivindicativas são um magnífico meio de esclarecimento das massas acerca da verdadeira natureza do Estado fascista, são uma magnífica escola que prepara as massas para lutas abertamente políticas?
Por outro lado: A experiência tem mostrado que, partindo de pequenas lutas reivindicativas, se chega a grandes lutas de massas. E essas lutas de massas não são já lutas meramente económicas, mas lutas caracterizadamente políticas. Quando as massas trabalhadoras, recusadas ou esquecidas as reclamações que apresentaram, revelados inoperantes os meios legais de luta, se lançam em lutas superiores, suspendendo o trabalho, fazendo greve, fazendo manifestações de rua, as lutas tomam um carácter acentuadamente político, são claramente dirigidas contra o Estado fascista. Pena é que o próprio governo fascista, na sua nota de 6 de Novembro de 1942, publicada nos jornais, sobre as greves de Lisboa, o tenha compreendido melhor que alguns dos nossos camaradas.
É ou não verdade que, nestas condições, as lutas reivindicativas são uma magnífica escola que prepara as massas para lutas abertamente políticas, são um magnífico ponto de partida para lutas políticas contra o fascismo?
Vê-se assim como era e é justa a orientação do Partido e como eram erradas as objecções desses camaradas.
Tão bem compreenderam as massas a justeza da orientação do nosso Partido que, no último ano e meio, as pequenas lutas reivindicativas se tornaram um uso corrente em centenas de fábricas, oficinas e empresas, interessando centenas de milhar de trabalhadores. Foram essas lutas que mostraram às massas, pela sua própria experiência, que a unidade é a maior força da classe operária e que a luta é a sua melhor arma.
Hoje, ao iniciar-se uma pequena luta reivindicativa, vê-se desde logo, na generalidade, a ampla perspectiva dessa luta, as formas superiores a que ela pode conduzir. Quem poderia, sete anos atrás, achar justas e harmónicas com as condições objectivas e subjectivas as palavras de ordem «suspensão do trabalho», «greve», «manifestações de rua»? E, no entanto, essas palavras de ordem são hoje corrente e justamente dadas pelo Partido. Não será verdade dizer-se que isso é possível graças, em grande parte, ao hábito que as massas criaram de recorrer à luta para ver satisfeitas as suas reivindicações, graças à experiência que hoje temos de como as pequenas lutas reivindicativas se podem transformar em amplas lutas de massas?
Reparai, camaradas, na seguinte diferença: para alguns camaradas a frente única estaria realizada na medida em que se estabelecesse um acordo entre o Partido e outras «organizações operárias»; para o Partido seria realizada na medida em que as massas desorganizadas se unissem e entrassem no caminho da luta pelos seus interesses vitais. Alguém põe em dúvida que triunfou em absoluto a concepção da frente única do Partido?
Afigura-se-me, portanto, que hoje nenhum camarada contestará a concepção da frente única do nosso Partido. Isto é: que a frente única operária em Portugal não é realizada por «acordos» entre organizações operárias, mas nas mais variadas formas de luta da classe operária. Que nos pequenos movimentos reivindicativos começou a ser realizada a frente única. Que as lutas superiores que no último ano e meio a classe operária conduziu mostram a frente única já constituída, realizada, da classe operária portuguesa.
Sob o ponto de vista de organização, a frente única encontrou o seu órgão nas Comissões e Comités de Unidade (compostos por trabalhadores honestos, combativos e sem olhar às suas opiniões políticas ou crenças religiosas), comissões e comités cuja missão é apresentar as reivindicações operárias, ou dirigir as lutas reivindicativas. Muitas centenas de comissões têm sido criadas e têm cumprido a sua missão. A formação de Comissões de Unidade tornou-se um processo de luta utilizado correntemente pela classe operária. As palavras de ordem do Partido, depois de terem encontrado resistências entre as massas e nos nossos próprios camaradas, acabaram por se enraizar profundamente no espírito das massas.
As greves de Outubro-Novembro de 1942
Há centenas e centenas de movimentos que demonstram a justeza da linha da frente única seguida pelo Partido. Em centenas de lutas, operários comunistas e anarquistas, republicanos e sem partido, católicos e legionários, lutaram lado a lado pelo pão e pela liberdade. Os anos de 1941-1942 marcam o início duma nova época no movimento operário português, a alvorada dum novo ascenso revolucionário do proletariado, o começo duma nova etapa na luta contra o fascismo. A classe operária tomou finalmente consciência da própria força.
As grandes greves da região de Lisboa em Outubro-Novembro de 1942 em que participaram cerca de 20 000 trabalhadores foram um magnífico exemplo, o primeiro grande exemplo da frente única operária. Elas marcam o termo de uma luta de muitos meses das massas operárias, guiadas pelo nosso Partido, e iniciaram uma nova etapa na luta do proletariado português. As grandes greves de Outubro-Novembro mostraram definitivamente a justeza da linha política do Partido Comunista, das palavras de ordem do Partido.
Em princípio de 1942, o Partido iniciou uma insistente campanha pelo aumento de salários. Em muitas fábricas e empresas formaram-se comissões que foram reclamar do patronato o aumento. O descontentamento das massas começou a tomar corpo e a encontrar na luta a sua verdadeira expressão.
A greve dos operários da Covilhã, a 5 de Novembro de 1941, tinha constituído um exemplo que as massas operárias não mais esqueceram. A partir de então, a luta pelo aumento de salários intensificou-se de tal modo que os dirigentes dos sindicatos nacionais tiveram de se fazer eco das reclamações operárias apresentando, a 20 de Abril de 1942, uma exposição a Salazar, em que eram obrigados a reconhecer a falência do corporativismo e a influência crescente do nosso Partido. Salazar prometeu a «solução do problema» a troco de uma grande manifestação operária de aplauso à sua obra. O nosso Partido encaminhou justamente a luta, fazendo uma intensa agitação no sentido de transformar essa agitação numa manifestação massiva operária pelo aumento de salários. Os fascistas recuaram e, com medo de que as massas seguissem as palavras de ordem do Partido e fizessem da manifestação uma jornada de luta pelo aumento de salários, não realizaram a manifestação. Só mais tarde, a 25 de Julho, Salazar veio dar a resposta às reivindicações operárias. A resposta foi: «Não posso indicar outro processo senão trabalhar e produzir cada vez mais, limitar-se a consumir cada vez menos.» E, pouco depois dessa cínica resposta, as «directrizes» do «chefe» eram reduzidas a decreto. Como respondeu esse decreto às reclamações dos trabalhadores? Respondeu com o aumento das horas de trabalho e com o desconto para o «abono de família».
O Partido encaminhou justamente a luta ao colocar no Avante!, da 2.a quinzena de Agosto de 1942, o objectivo: «Pelo aumento de salários sem aumento das horas de trabalho», e ao lançar as seguintes palavras de ordem: «Formai em todas as fábricas e empresas comités legais, eleitos por todos os operários, para pedirem o aumento de salários! Caso o patronato queira aumentar as horas de trabalho, recusai-vos a trabalhar mais que as 8 horas da lei! Se o patronato chamar a polícia e não deixar sair os operários, fazei a greve dos braços caídos diante das máquinas!» E o Avante! da 1.a quinzena de Setembro lançou a consigna: «O patronato que pague!»
O Partido lançou à união e à luta todos os trabalhadores sem distinção de convicções políticas ou religiosas. Os fascistas fizeram tudo para impedir que as massas seguissem o seu partido de classe, o Partido Comunista. Eles editaram um «Contra-Avante», distribuído profusamente nas fábricas e empresas, aconselhando os trabalhadores a não seguirem as nossas palavras de ordem. Eles mobilizaram os agentes sindicais fascistas e a grande imprensa. Trabalho baldado. A influência crescente do nosso Partido na classe operária, a popularidade e prestígio do Avante! e, sobretudo, a justeza das palavras de ordem do nosso Partido, ficaram bem patentes nas lutas travadas pela classe operária pelo aumento de salários e contra o desconto para o «abono de família».
Trabalhadores comunistas e anarquistas, republicanos e sem partido, católicos e legionários, todos se uniram na luta contra a exploração patronal e fascista. Uma onda de greves correu a região de Lisboa, no mais importante movimento operário depois de 18 de Janeiro de 1934 e cujo significado político ultrapassa o do 18 de Janeiro. Enquanto que o 18 de Janeiro foi a última grande acção de resistência da classe operária em defesa dos seus sindicatos livres contra a fascização dos sindicatos, as greves de Outubro-Novembro de 1942 foram a primeira grande acção ofensiva do proletariado contra a política de fome e traição do governo fascista. Enquanto que o 18 de Janeiro foi o termo de um grande período de lutas da classe operária a que se seguiu um período de recuo, um período em que a classe operária se manteve na defensiva, as greves de Outubro-Novembro marcam o início dum novo período de lutas da classe operária, um novo período de ofensiva. É neste sentido que digo que o significado político das greves de Outubro-Novembro transcende o de 18 de Janeiro.
Pergunta-se: As greves de Outubro-Novembro foram uma vitória ou uma derrota para a classe operária?
Alguns camaradas, considerando a brutal repressão desencadeada pelo governo fascista contra os grevistas, a prisão de milhares de trabalhadores e o facto destes terem sido obrigados pela força a retomar o trabalho; considerando que em algumas empresas a greve não se pôde manter por muito tempo e que os trabalhadores retomaram o trabalho antes que as suas reclamações tivessem sido atendidas — esses camaradas apressaram-se a dizer que as greves tinham sido uma derrota da classe operária e até houve camaradas que disseram que elas tinham sido um «fracasso».
É justa esta opinião? Não, camaradas, ela não é justa.
Quais foram, na realidade, os objectivos das greves? Elas não nos aparecem idênticas em todas as empresas. Mas analisando os objectivos nas várias empresas, podemos concluir que, ao lançarem-se na greve, as massas trabalhadoras pretendiam um aumento de salário, que a jornada de trabalho não fosse aumentada, que fossem libertados os trabalhadores presos em massa em algumas empresas. Sem dúvida, quando se retomou o trabalho ainda não se tinham alcançado os objectivos e não havia nenhuma sólida garantia de que eles seriam alcançados. Mas a verdade é que, como consequência directa das greves, as reivindicações formuladas foram parcialmente atendidas. Assim o governo fascista e o patronato viram-se obrigados a fazer aumentos de salários, embora pequenos nuns casos e fictícios noutros. Na chuva de contratos colectivos e portarias o governo fascista viu-se obrigado, pelo menos temporariamente, a recuar no seu propósito de aumentar a jornada de trabalho; o governo fascista viu-se obrigado a pôr em liberdade a maioria esmagadora dos trabalhadores presos. Podemos assim afirmar que as greves de Outubro-Novembro foram uma vitória parcial da classe operária.
As greves de Outubro-Novembro de 1942 trouxeram valiosos ensinamentos à classe operária e ao Partido, e constituíram um exemplo que houve que tomar como padrão para futuras lutas. Mas isto não quer dizer que as greves de Outubro-Novembro tenham sido movimentos perfeitos sob o ponto de vista de organização e direcção. Longe disso. Verificaram-se muitas deficiências de organização e de direcção.
Temos a considerar, em alguns casos, a espontaneidade da eclosão do movimento, do que resultou que o momento em que a greve eclodiu em algumas empresas nem sempre foi o mais oportuno. Temos a considerar, noutros casos, a falta de esclarecimento das massas quanto aos objectivos da própria greve, do que resultou que muitos trabalhadores das várias empresas não sentissem o interesse e a necessidade de se manterem em luta. Temos, noutros casos ainda, a falta duma sólida ligação entre os trabalhadores nas várias empresas, do que resultou que os movimentos das várias empresas não tiveram simultaneidade que lhes daria uma muito maior força. Temos ainda a considerar a grande deficiência que consistiu na falta de Comissões ou Comités de Unidade que orientassem a luta, a falta duma suficientemente forte organização dirigente da greve.
O nosso Partido teve grandes responsabilidades nestas deficiências. A própria Direcção do Partido, que traçara uma linha justa e indicara às massas o caminho, não soube criar as condições de organização que permitissem controlar de perto todo o movimento. Isso foi, é certo, também, um resultado da ofensiva desesperada que a polícia lançou, nesse momento, contra os quadros centrais do Partido, contra o nosso aparelho ilegal de direcção e técnico, e que, podemos hoje dizer, esteve a pontos de comprometer a continuidade de todo o trabalho de direcção do Partido. O certo, porém, é que a Direcção do Partido e, particularmente, o Secretariado do Comité Central não deram a necessária assistência política ao movimento. Podemos dizer que toda a organização do Partido (incluindo o Secretariado) foi surpreendida pelo próprio sucesso. O Comité Regional de Lisboa não soube aperceber-se a tempo do amadurecimento das condições objectivas, da rápida evolução da luta dos operários de Lisboa, evolução que fazia passar, sob as palavras de ordem do Partido, dos movimentos reivindicativos de ordem legal (pedidos de aumento, comissões e exposições) para formas superiores de luta, como suspensões temporárias de trabalho e greves. Algumas das nossas organizações de empresa revelaram-se também fracas organizações, com fraco prestígio e fraca influência nas massas, com falta de iniciativa e decisão.
Quer isto dizer que a participação e a acção dirigente do Partido nas greves tenham sido insignificantes? De forma alguma.
Em primeiro lugar temos a considerar a acção da nossa imprensa, do nosso Avante!. Foi o Partido que indicou às massas o caminho, que lançou as palavras de ordem que as massas seguiram. Em segundo lugar temos a considerar a acção da nossa organização. Foi a organização do Partido que, nas empresas decisivas, orientou as lutas reivindicativas que conduziram às greves, e foram as organizações de base do Partido que, nas empresas decisivas, embora sem o necessário auxílio da Direcção do Partido, conduziram as massas à greve e as orientaram durante a greve. São dois aspectos positivos que os lados negativos do trabalho não nos devem fazer esquecer.
Por isso, camaradas, podemos afirmar, sem qualquer espécie de sobrestimação do papel do nosso Partido nas greves de Outubro-Novembro de 1942, que estas, ainda que acusando graves deficiências do trabalho partidário, devem ser considerados como uma vitória do nosso Partido. Há um aspecto que nunca é de mais sublinhar: nunca, no nosso país, tinha sido mais plena a unidade da classe operária. Nunca a frente única operária tinha tido tão completa realização. As greves de Outubro-Novembro constituíram um magnífico exemplo de como a frente única pode e deve ser realizada em Portugal.
Na sua extensão e intensidade as greves de Outubro-Novembro de 1942 ultrapassaram a organização orgânica existente na altura. As deficiências do trabalho reveladas (direcção, organização, quadros, agitação, ligação com as massas) foram cuidadosamente analisadas. O Partido trabalhou intensamente para corrigir as deficiências do seu trabalho, para aproveitar as grandes lições de Outubro-Novembro.
Podemos dizer, camaradas, com orgulho no nosso Partido que
As lições de Outubro-Novembro foram aproveitadas
As grandiosas greves de Julho-Agosto de 1943, em que participaram mais de 50 000 trabalhadores, acompanhadas de grandes marchas de fome e de demonstrações de rua, mostraram que o Partido soube realmente corrigir as suas deficiências fundamentais e soube colher valiosos ensinamentos das greves de Outubro-Novembro de 1942. Nas greves de Julho-Agosto, o Partido pôde, ao contrário do que sucedeu em Outubro-Novembro, dirigir efectivamente o movimento e tomar o lugar de vanguarda e guia da classe operária.
No artigo «Preparemos a ofensiva» publicado no Avante! da 2.a quinzena de 1942, indicavam-se as principais deficiências e erros na greve de Outubro-Novembro e as medidas que era necessário tomar para que não se repetissem.
A) — Verificando que, em muitos casos, a eclosão do movimento se dera por «iniciativa descontrolada das massas», verificando que isso permitiu que, em mais de um caso, a «eclosão tivesse lugar num momento menos conveniente» e com atrasos que prejudicaram o movimento, o artigo insistia, em primeiro lugar, na «criação, desde já, duma direcção para o movimento em cada local de trabalho, direcção essa composta pelos trabalhadores mais honestos e decididos à luta, estando nós, comunistas, dispostos a colaborar com todos os que estejam nessas condições, quaisquer que sejam os seus ideiais políticos ou crenças religiosas».
Foi de facto realizada esta consigna? Sim, foi realizada nas suas linhas fundamentais.
Nas fábricas e empresas foram criadas dezenas de Comissões de Unidade que, durante meses, deram força organizada à luta reivindicativa. Quando, uma vez esgotadas as possibilidades legais de luta, houve que encarar formas superiores, houve que encarar o recurso à greve, havia, em muitas fábricas e empresas, organismos de unidade que auxiliaram a determinação do momento da eclosão do movimento e que puderam, ainda que de forma insuficiente, orientar as massas trabalhadoras no decurso do movimento. Sem dúvida que, na generalidade, em Julho-Agosto, as organizações do Partido tiveram um papel preponderante. Mas mesmo onde a direcção das greves coube às organizações do Partido, estas agiram como verdadeiros organismos de unidade operária, contando com o apoio e confiança dos trabalhadores.
B) — Verificando que, em muitos casos, os trabalhadores foram para a greve em Outubro-Novembro sem terem «bem esclarecidos os objectivos da luta», verificando que isso permitiu que, «em vários casos os trabalhadores tenham feito o movimento sem colocarem as suas reivindicações próprias, não sentindo assim, nesses casos, um interesse directo no movimento», o artigo insistia, em segundo lugar, na «divulgação das palavras de ordem do Partido», na «determinação, em cada empresa, das reivindicações interessando particularmente os trabalhadores dessa empresa e, em especial, a determinação de quanto os salários devem ser aumentados».
Foi de facto realizada esta consigna? Sim, foi realizada nas suas linhas fundamentais.
Na maioria das fábricas e empresas, já antes da eclosão da greve de Julho-Agosto, tinham sido determinadas e expostas as reivindicações dos trabalhadores e, no momento da eclosão e no decurso da greve, os trabalhadores insistiram sempre para que as suas reivindicações fossem atendidas.
É certo que houve fábricas e empresas onde isso não foi feito. Mas esses casos deram-se em fábricas e empresas que foram para a greve não porque nelas tivesse sido preparada anteriormente a luta, mas porque foram arrastadas pelo exemplo das outras ou pelas grandiosas marchas de fome e manifestações que foram de fábrica em fábrica chamando os trabalhadores à greve.
C) — Verificando que, na generalidade, nas greves de Outubro-Novembro não tinha havido uma preparação anterior do ambiente, verificando que isso permitiu que muitos trabalhadores, surpreendidos pelo movimento, não fossem para a greve, o artigo insistia, em terceiro lugar, na «ligação estreita, dentro de cada empresa, dos comunistas e dos trabalhadores mais decididos à luta com todos os outros trabalhadores e uma actividade no sentido de criar uma vontade geral de ir para a luta e de preparar o ambiente de forma a que, no momento preciso, a eclosão do movimento corresponda ao sentir geral dos trabalhadores».
Foi de facto realizada esta consigna? Sim, ela foi realizada.
Durante meses, as organizações do Partido e a imprensa partidária criaram o ambiente para a luta, mostraram aos trabalhadores a necessidade de recorrerem a formas superiores de luta. Durante meses, os membros do Partido dentro de cada empresa ligaram cada vez mais estreitamente a sua acção às massas, e as organizações do Partido desenvolveram uma grande actividade no sentido de deixarem de ser grupinhos sectários para se tornarem verdadeiros organismos dirigentes de massas. Quando, em Julho-Agosto de 1943, o Partido lançou a palavra de ordem «À greve!», essa palavra de ordem correspondia inteiramente ao sentir geral dos trabalhadores.
D) — Verificando que, nas greves de Outubro-Novembro, faltou uma sólida ligação entre os trabalhadores das várias empresas, verificando que isso permitiu «hesitações e desistências numa empresa, em virtude das notícias contraditórias (por má informação ou forjadas pelo patronato) acerca do movimento na outra», o artigo insistia, em quarto lugar, no estabelecimento duma «ligação estreita entre os trabalhadores das empresas (ou quaisquer lugares de trabalho) onde os movimentos possam vir a ser desencadeados simultaneamente e em ligação um com o outro».
Foi realizada esta consigna? Sim, ela foi realizada.
Nas vésperas de desencadear a greve de Julho-Agosto de 1943, foi constituído um comité de greve na região de Lisboa e com esse comité foram estabelecidas sólidas ligações de delegados de fábricas. Isso permitiu que (salvo a falha dum bairro e de duas localidades) a greve tivesse eclodido e progredido, nas suas linhas fundamentais, dentro do plano elaborado anteriormente. O Partido assegurou o contacto estreito de todas as organizações dirigentes da greve e a unificação dos movimentos nas várias empresas (excluídas as que foram arrastadas apenas pelo exemplo das outras).
É certo que o comité de greve esteve, em alguns casos, desligado três e quatro dias dos trabalhadores de algumas empresas em greve e que isso permitiu que, em algumas empresas, o movimento tivesse tido uma quebra brusca. Mas isso deve-se, mais do que à falta de preparação de ligações regulares, às prisões em massa efectuadas pelo governo fascista e que atingiram, ao acaso, alguns dirigentes da greve.
Vê-se assim como, na realidade, as lições de Outubro-Novembro foram aproveitadas e como o Partido soube corrigir algumas das suas deficiências fundamentais.
No próprio trabalho da Direcção do Partido notou-se uma diferença profunda nas greves de Julho-Agosto de 1943 em relação às de Outubro-Novembro de 1942. Os 4 manifestos publicados pelo Secretariado do Comité Central (de 21, 27 e 28 de Julho e de 4 de Agosto) mostram, por si só, como a Direcção do Partido soube orientar o movimento, dia a dia. Julgo ser absolutamente justo dizer-se que a direcção das grandes lutas operárias de Julho-Agosto pertenceu ao Estado-Maior do Proletariado, ao Partido Comunista, e que é igualmente justo dizer-se que os organismos efectivamente dirigentes das greves foram o Secretariado do Comité Central do Partido e o Comité Regional de Lisboa.
As lições de Outubro-Novembro foram aproveitadas.
As lições de Julho-Agosto sê-lo-ão também, camaradas.
As grandes greves de Julho-Agosto de 1943
Que apresentam de novo as lutas de Julho-Agosto de 1943 em relação às lutas de Outubro-Novembro de 1942?
O primeiro aspecto verdadeiramente novo que apresentam é que se trata de um movimento preparado, organizado, desencadeado e dirigido por uma direcção única que foi o nosso Partido. Não mais a surpresa ante o rápido amadurecimento das condições objectivas. Não mais a Direcção do Partido recebendo dificultosamente (como em Outubro-Novembro) as informações do que se ia passando. Não mais um Comité Regional de Lisboa sem saber ao certo o que fazer. Não mais o Partido a perder o controlo do movimento e a andar, a partir de certa altura, a reboque dos acontecimentos. Não mais a desligação dos movimentos nas várias empresas. Em Julho-Agosto assistimos a alguma coisa de diferente. Vemos as organizações dirigentes do Partido analisando a situação, estudando planos, tomando medidas para o bom êxito do movimento. Vemos o papel decisivo do Partido na preparação do desencadeamento da greve. Vemos a acção orientadora do Partido através de todo o movimento. A este respeito é particularmente significativo o manifesto de 21 de Julho do Secretariado do Comité Central. Nesse manifesto, depois de se mostrar como os trabalhadores tinham esgotado todos os meios legais de resolver a sua situação, de verem atendidas as suas reivindicações, lançavam-se as consignas: «Há que suspender o trabalho! Há que ir para a greve! Há que fazer grandes marchas da fome! Há que assaltar todos os locais onde os géneros estejam açambarcados! Há que ir buscar os géneros onde os houver!» Julgo, camaradas, que este manifesto deve ser considerado de certa forma histórico na vida do Partido. Ele indica um grande progresso do Partido, indica que o Partido se tornou realmente a vanguarda da classe operária. Julgo que a nenhum camarada escapa a significado político do manifesto que representa a voz de comando do nosso Partido para pôr em movimento dezenas de milhar de trabalhadores. Nas condições do fascismo, esta acção do Partido, que lançou as palavras de ordem que as massas seguiram e que determinou inclusivamente o dia e a hora da eclosão do movimento, assim como a ordem por que as várias empresas se seguiram na greve, é um êxito de um grande alcance político, de que nem todos os Partidos irmãos se poderão orgulhar. Mas o Partido não se limitou a desencadear o movimento. Por intermédio da organização e por meio de manifestos sucessivos, o Partido dirigiu a classe operária durante todo o movimento, incluindo o recuo, quando este se tornou necessário.
Esse papel dirigente do Partido constituiu o primeiro traço distintivo das jornadas de Julho-Agosto de 1943 em relação às jornadas de Outubro-Novembro de 1942.
O segundo aspecto verdadeiramente novo que apresentam é que milhares e milhares de trabalhadores sentiram e aceitaram a direcção do Partido no movimento. A classe operária seguiu com confiança o Partido, sabendo que seguia o Partido. Uma fábrica houve em que os operários puseram como condição para irem para o movimento serem dirigidos pelo Partido. Uma localidade houve em que os anarquistas, ainda bastante influentes, aceitaram a direcção do Partido no movimento. O nosso Partido não teve mais o papel anónimo de dirigente. O Partido apareceu abertamente perante as massas como sua vanguarda e guia, e as massas trabalhadoras seguiram o estandarte do nosso Partido.
Essa aceitação da direcção do Partido no movimento por dezenas de milhar de trabalhadores constituiu o traço distintivo das jornadas de Julho-Agosto em relação às jornadas de Outubro-Novembro.
O camarada Alberto fará um informe sobre as lutas de Julho-Agosto, onde todas estas questões serão abordadas. Mas quero ainda referir-me a alguns problemas muito particulares levantados pelo movimento de Julho-Agosto.
A) — O primeiro: Teria sido correcto o recuo táctico preconizado e dirigido pelo Partido?
Quando o Secretariado do Comité Central, num dos últimos dias de Julho, colocou aos camaradas do Comité Regional de Lisboa a necessidade de estudarem e prepararem rapidamente o recuo, que, dentro em breve, se tornaria necessário à classe operária, os nossos camaradas, animados pelos actos de heroicidade e combatividade das massas trabalhadoras, resistiram a essa ideia. Quando no dia 4 de Agosto, o Secretariado lançou o manifesto em que se colocava a necessidade imediata de operar o recuo organizado, lançava a consigna «retomemos o trabalho» e indicava as condições em que o trabalho devia ser recomeçado, novas resistências se manifestaram da parte de alguns camaradas.
Pergunta-se: Deveria o Partido ter aconselhado a classe operária a recuar? Deveria o Partido ter orientado esse recuo contra a vontade de alguns sectores massivos que queriam continuar em greve apesar das condições particularmente desvantajosas?
Creio que a posição do Partido foi justa. A justeza da posição do Partido foi justificada no artigo «Não basta saber avançar. É necessário saber recuar», publicado e O Militante de Agosto (n.o 22). Não deixará de ser vantajoso citar aqui as passagens fundamentais desse artigo:
«A repressão feroz, as prisões em massa, despedimentos, ocupação militar de localidades e de fábricas, cortaram as ligações entre vários sectores da frente nesta batalha da classe operária. Em algumas fábricas e empresas os trabalhadores começavam a sentir-se esgotados pela fome e acusavam-se sintomas de que milhares de trabalhadores desejavam regressar ao trabalho, mesmo nas antigas condições. O movimento avançara demasiado, e persistir na ofensiva representaria perder as ligações com a retaguarda, separar a vanguarda das massas, seria aceitar uma batalha decisiva contra o fascismo em condições claramente desvantajosas para a classe operária. Nestas condições impunha-se um recuo, um recuo ordenado. Esse recuo ordenado seria retomar o trabalho, alcançando em cada empresa o máximo de reivindicações, conseguir a libertação dos trabalhadores presos e a readmissão de todos os trabalhadores.
«Quais as vantagens de tal recuo? A primeira: evitar um recuo desordenado em pânico, durante o qual o patronato e o fascismo tivessem possibilidade de quebrar totalmente a unidade do movimento e impor à classe operária condições draconianas de rendição. A segunda: manter o máximo de terreno conquistado, o cumprimento do máximo de promessas feitas. A terceira: impedir que a vanguarda (o Partido e os trabalhadores mais conscientes) se isolasse das massas, que ela fosse aniquilada, deixando as massas em retirada sem direcção nem comando, o que as colocaria à mercê do patronato e do fascismo quebraria a possibilidade de reagrupar rapidamente forças para voltar à ofensiva. A quarta: organizar forças, consolidar posições, reforçar as próprias fileiras, tendo em vista a preparação de novas ofensivas, em condições mais vantajosas para a classe operária.
«Tais eram as vantagens dum recuo ordenado, do recuo preconizado pelo Partido.
«Este recuo está conforme à orientação leninista do Partido. Lénine, na Doença Infantil do Comunismo notara que “Os partidos revolucionários devem compreender... que a vitória é impossível sem ter aprendido tanto a atacar como a recuar correctamente”. E o camarada Stáline respondendo à pergunta: “O que significa uma utilização correcta das reservas?”, diz: “4.o — manobrar com as reservas para efectuar uma retirada correcta, quando o inimigo é forte, quando a retirada é inevitável, quando são óbvias as desvantagens de travar uma batalha a que nos força o inimigo, quando a retirada é o único caminho sob uma dada correlação de forças, para desviar um golpe da vanguarda e conservar intactas as reservas.” (Fundamentos do Leninismo, ed. ingl., vol. i, p. 80.)
«O recuo indicado pelo Partido estava pois claramente dentro duma linha leninista. O Partido, indicando o recuo com a orientação que deu, agiu em conformidade com a estratégia leninista. Só esse recuo permitiu conservar posições para se partir para novas ofensivas: é de aconselhar “retirar em boa ordem, quando as forças do inimigo são muito superiores às nossas, a fim de preparar com a máxima energia uma nova ofensiva”. (História do PC (b) da URSS, ed. ingl., p. 219.)
«É na preparação dessa nova ofensiva que se devem concentrar todas as nossas forças e energias. O recuo táctico efectuado sob a direcção do Partido permitirá lançarmo-nos de novo à ofensiva.»
Julgo, camaradas, que neste artigo está demonstrada a justeza do recuo táctico aconselhado e dirigido pelo Partido, está demonstrado que «não basta saber avançar e que é necessário saber recuar». Mas a questão não fica aqui encerrada.
Resta saber se o recuo preconizado pelo Partido, se a palavra de ordem «recuo organizado» foi colocada no devido momento. Pergunta-se: Foi o recuo preconizado no momento correcto? Devê-lo-ia ter sido mais cedo? Devê-lo-ia ter sido mais tarde?
Alguns camaradas da Direcção do Partido entenderam, numa análise muito precisa e cheia de magníficas conclusões que fizeram após o movimento, que era no momento em que foi distribuído o manifesto com a data de 29 de Julho «que se impunha dirigir o recuo vitorioso, base de reagrupamento para vitórias parciais e avanço para a luta de novos sectores».
Será justa esta opinião? Não, camaradas, a nosso ver ela não é justa.
A 29 de Julho (dia seguinte ao emprego em grande escala das medidas terroristas do governo de Salazar) havia ainda as condições fundamentais para continuar na ofensiva. Quais eram essas condições? A primeira era o elevado espírito de luta das massas, apesar dos milhares de prisões, da decretação dos despedimentos, das violências da força pública. Era ainda geral a vontade de continuar em greve. As manifestações de rua tinham ainda lugar. Os trabalhadores presos mantinham ainda o mesmo espírito combativo. A segunda era a possibilidade que existia ainda de lançar na greve novas e importantes empresas, que dariam um novo e fortíssimo élan a todo o movimento. Era ainda possível desencadear a greve na Carris, parcialmente nos Caminhos de Ferro e em importantes sectores industriais do país, como Silves, São João da Madeira, margem direita do Tejo e outros. Não porque o Partido forçasse a greve nesses sectores, mas porque, pela luta anterior, havia condições objectivas favoráveis. Se o nosso Partido tivesse conseguido fazer alastrar a greve tal como se colocava no manifesto de 29 de Julho, se tivesse conseguido mobilizar a tempo essas reservas, todo o movimento teria adquirido um novo carácter, poderia ter caminhado no sentido de uma greve política de massas à escala nacional. Repito, camaradas: a vontade de luta das massas e as condições objectivas favoráveis ao alastramento da greve e das lutas de massas pelos géneros tornaram completamente justa a posição do Partido a 29 de Julho: «Continuar na ofensiva.»
Mas os mesmos camaradas fazem notar que o manifesto de 4 de Agosto, em que se coloca a necessidade do recuo organizado, está em atraso pois «determinámos o recuo quando as massas já haviam recuado».
Será justa esta opinião? Sim, camaradas, a nosso ver ela é justa nas suas linhas fundamentais.
Quer dizer: Consideramos que o manifesto foi atrasado, que deveria ter sido publicado antes de 4 de Agosto. Apesar de que a 2 de Agosto ainda a classe gráfica se lançou na greve, e a 5 eclodiu a grande greve e lutas de massas em São João da Madeira, Arrifana, Couto, Nogueira do Cravo; apesar disso, entendemos que o manifesto que foi publicado a 4 de Agosto (distribuído a 5) devê-lo-ia ter sido antes. Queremos, entretanto, fazer notar que, antes de 4 de Agosto, a necessidade de recuo tinha sido colocada por intermédio da organização do Partido. Foi no dobrar do mês de Julho para Agosto que as condições para continuar na ofensiva tinham desaparecido. Acusavam-se sintomas crescentes de abatimento, embora ninguém tivesse retomado o trabalho — ao contrário do que pensaram os citados camaradas da Direcção do Partido — quanto mais não fosse porque o governo fascista obrigara o patronato a responder à greve com um lock-out. Apesar dos grandes esforços da Direcção do Partido não se podia mais esperar o alastramento da greve a todo o país e a adesão das referidas importantes empresas. Por um lado, algumas organizações regionais e locais (Algarve, margem direita do Tejo, Centro, etc.) não estiveram à altura da situação. Por outro lado, em algumas fábricas e empresas o patronato antecedeu-se aos trabalhadores, satisfazendo algumas reivindicações e quebrando assim a vontade de irem para a greve. Era nessa altura (31 de Julho, 1 de Agosto) que seria o momento correcto para ser publicado o manifesto que só foi publicado a 4 de Agosto. 29 de Julho teria sido demasiado cedo, 4 de Agosto foi demasiado tarde.
B) — A um segundo problema particular quero referir-me: Teria sido correctamente preparada, desencadeada e dirigida a greve na região de São João da Madeira?
Antes de mais nada, quero aqui prestar homenagem comunista aos nossos heróicos camaradas de São João. Ali também a organização partidária encabeçou o movimento e os nossos camaradas tomaram audaciosamente a direcção das massas. Ali também desabou sobre os trabalhadores a violência e a ferocidade da repressão fascista. O nosso Partido sofreu graves baixas nas grandes lutas de massas de São João da Madeira, camaradas. Nenhuma outra organização local foi tão duramente atingida.
Os gangsters da PVDE invadiram a linha do Vale do Vouga que vai de Espinho à Sernada, espalharam o terror nos centros industriais e agrícolas, efectuaram prisões às cegas nas localidades onde, há mais de um ano atrás, houve importantes acções de resistência contra as requisições de milho. A PVDE espancou brutalmente os valentes lutadores do Vale do Vouga, incitou e incita as populações a assassinar impunemente os grevistas e os comunistas.
Perante esta brutal repressão, alguns camaradas dizem hoje que a greve não devia ter sido desencadeada em São João da Madeira. Esses camaradas tomam assim, talvez sem o saberem, uma posição bem conhecida na história do movimento operário, a pedante e célebre posição de Plekhánov quando da revolução de 1905: «Não se devia ter pegado em armas» e outras não menos pedantes atitudes que Lénine criticava.
«A escola da guerra civil — dizia Lénine — custa alguma coisa aos povos. É uma rude escola e o seu curso completo contém inevitavelmente vitórias da contra-revolução, o enfurecimento dos reaccionários, repressões selvagens exercida pelo velho poder contra os revolucionários, etc. Mas só os pedantes empedernidos e as múmias que tenham perdido todo o sentido comum podem deplorar que os povos entrem nessa penosa escola.» (Citado por Dimitrov no seu informe ao VII Congresso da IC.)
Sem dúvida, camaradas, que é necessário estudar com toda a atenção as condições existentes em São João da Madeira, as circunstâncias em que foi lançado o movimento, a direcção que lhe foi imprimida.
Teria o Partido forçado o movimento em São João da Madeira? Parece-me bem que não, camaradas. Os trabalhadores da região, principalmente os operários sapateiros, vinham de há muito travando uma luta pertinaz e insistente para que as suas reivindicações fossem atendidas. Comissões, reclamações e protestos tiveram lugar mês após mês. As massas operárias estavam dispostas à luta pelos seus interesses vitais. A repercussão das grandes greves da região de Lisboa levantou ainda mais a vontade de luta das massas operárias. Julgo, camaradas, que se pode concluir que o Partido não forçou o movimento, não decretou a greve em São João. A greve correspondeu às condições objectivas locais. Que camarada quererá manter-se numa pedante posição dizendo que «não havia que ir para a greve»?
O movimento foi lançado à base de palavras de ordem justas (Ver Avante! da 2.a quinzena de Setembro) e a orientação táctica foi igualmente justa. Mas isto não quer dizer, camaradas, que não tenha havido gravíssimas deficiências no trabalho partidário em São João da Madeira. A duas quero referir-me:
A primeira: Deficiência de organização. Não foram constituídas como deveriam ter sido as Comissões de Unidade preconizadas pelo Partido. Que resultou deste facto? Resultou que foram as organizações do Partido e os membros do Partido que, em todos os casos, tiveram de se colocar abertamente à frente das massas, tiveram de se atirar para a cabeça do touro. Isso expôs os nossos camaradas à repressão fascista e ocasionou que fosse atingida a maioria dos nossos quadros locais.
A segunda: Deficiência na defesa dos quadros. Se a má organização obrigou os nossos camaradas a lançarem-se abertamente à frente das massas, a aparecerem à luz como dirigentes da greve, eles deveriam desde logo garantir a sua defesa. Entretanto, foram cometidas graves faltas (em algumas das quais existe a responsabilidade dos camaradas dirigentes do Comité Regional do Douro) que impediram que alguns dos nossos camaradas evitassem ser presos.
C) — A um terceiro problema quero ainda referir-me: Não teria sido possível conseguir o apoio efectivo das forças armadas aos movimentos de massas, sob a forma de recusa à repressão violenta?
Este problema, camaradas, chama a nossa atenção para o aspecto mais negativo da actividade partidária desde a reorganização: a actividade nas forças armadas. Durante as grandes jornadas de Julho-Agosto, não contávamos senão em raros casos com camaradas organizados nas forças armadas, mobilizadas para a repressão violenta das massas trabalhadoras. Sentimos então toda a debilidade da nossa actividade no Exército, na GNR, na PSP, na Armada, toda a incapacidade de que temos dado mostras desde há uns sete anos, desde os tempos da grande ORA, que teve um epílogo tão cheio de heroicidade como de pouca eficiência na revolta de 8 de Setembro de 1936. A Organização Revolucionária da Armada (em grande parte obra dum camarada aqui presente do nosso CC), com o seu Marinheiro Vermelho ilegal, com uma tiragem de 1000 exemplares, nunca mais foi reconstruída. A ORE (Organização Revolucionária do Exército) desapareceu também. O Partido que, desde a reorganização, se tem fortalecido poderosamente e que talvez nunca tenha tido uma organização tão sólida, uma tão grande influência e uma tão estreita ligação com as massas trabalhadoras, não foi ainda capaz de construir uma forte organização militar. O Secretariado é o primeiro organismo responsável desta situação. Nós autocriticamo-nos por não termos sabido até hoje tomar as medidas necessárias para construir uma forte organização militar revolucionária.
Estas deficiências do nosso trabalho revelaram-se com toda a gravidade durante as grandes jornadas de Julho-Agosto. Nós vimos então a má vontade dos soldados em servirem de instrumentos de repressão. Nós vimos soldados de unidades em locais onde tinham lugar as greves e demonstrações de rua confraternizarem com os operários e mulheres trabalhadoras, dizendo-lhes que nada fariam contra eles se a isso os quisessem obrigar. Nós vimos guardas-republicanos e polícias cívicos negando-se a cumprir as ordens superiores para exercerem violências sobre as massas trabalhadoras. Nós vimos oficiais, enfurecidos pela recusa dos soldados, agredirem estes cegamente. Durante as jornadas de Julho-Agosto revelou-se claramente todo o descontentamento nas forças armadas contra a política de fome e terror do governo fascista.
E entretanto, camaradas, a estas magníficas condições não correspondia, nem de longe, um trabalho de organização do nosso Partido. Só num caso, uma forte organização partidária das forças armadas levou a uma recusa em massa dos soldados em executar as ordens superiores e a libertar dezenas de grevistas. Por razões conspirativas de fácil compreensão julgo não dever dar aqui mais pormenores a este respeito. Mas isto é um caso único que não consegue esconder a nossa gravíssima debilidade no trabalho militar.
Algumas conclusões se impõem. Só não foi possível evitar, na maioria dos casos, a repressão violenta das massas trabalhadoras em razão da extrema debilidade da nossa organização nas forças armadas. Existem todas as condições para começar a formar em grande escala uma organização militar revolucionária nacional. O Secretariado deverá tomar medidas imediatas para a constituição dessa organização.
Eram estes os três problemas relativos às lutas de Julho-Agosto que queria encarar neste informe. Gostaria ainda de fazer notar as principais deficiências e os grandes ensinamentos que nos trouxeram essas grandes lutas. Isso será todavia feito pelo camarada Alberto num informe especial. Para terminar, quero apenas fazer algumas considerações gerais.
As grandes lutas de massas de Julho-Agosto representam uma grande vitória política do proletariado e do seu partido de classe — o Partido Comunista. A classe operária mostrou definitivamente caminhar na vanguarda do movimento nacional antifascista e o Partido Comunista mostrou definitivamente ser o destacamento avançado, o dirigente e guia do proletariado.
Quais as consequências políticas fundamentais das grandes jornadas de Julho-Agosto? Como se dizia no artigo «A caminho de novas e maiores ofensivas», publicado no Avante! da 1.a quinzena de Setembro (n.o 39), elas foram: «Desagregação e crise no campo do fascismo; fortalecimento da unidade, da organização e do espírito de luta no campo da classe operária e do movimento antifascista.» Mas estas consequências favoráveis das grandes jornadas de Julho-Agosto só serão plenamente aproveitadas se o nosso Partido pela sua actividade souber aprofundar as contradições que se manifestam no seio do fascismo e fortalecer a organização e combatividade da classe operária e das massas antifascistas. É bom não deixarmos que o êxito nos suba à cabeça, convencendo-nos erradamente de que o Partido fez tudo quanto deveria ter feito, e de que tudo está sendo feito para que o Partido conduza a classe operária à vitória. Não, camaradas. O Partido tem perante si grandes e complexas tarefas. O Partido tem muito que fazer, muitas debilidades a eliminar, muitas deficiências a corrigir. Todo o nosso Partido deve analisar detidamente as suas deficiências no último movimento; deve analisar com uma grande atenção todos os aspectos das grandes jornadas de Julho-Agosto, até os de aparência mais insignificante; deve dar todo o valor às iniciativas das massas durante os movimentos; deve debater todos os complexos problemas políticos, de organização, de agitação, de trabalho das massas, que as jornadas de Julho-Agosto trouxeram ao primeiro plano.
Não tenhamos dúvidas, camaradas, de que, se o soubermos fazer, não decorrerão muitos meses sem que tenhamos de voltar de novo a uma grande ofensiva, sem que o Partido tenha que encabeçar novas grandes lutas de massas, novas grandes greves.
A frente única e o trabalho nos Sindicatos Nacionais
O problema da frente única da classe operária coloca ante o Partido a questão da actividade sindical. Na luta sindical, da mesma forma que na luta reivindicativa à base de empresas, pode operar-se a união dos trabalhadores de todas as tendências. As lutas operárias podem ser fortemente apoiadas pelos Sindicatos Nacionais. Isto nos leva a examinar aqui a orientação do Partido no que respeita ao trabalho sindical. Julgo ser vantajoso abordar este problema fazendo um pouco de história.
Após a heróica luta de 18 de Janeiro de 1934, em que a classe operária resistiu com armas na mão contra a fascização dos sindicatos, o Partido e a Comissão Inter-Sindical tentaram reconstituir os sindicatos livres, dando-lhes uma vida ilegal e julgando assim romper a nova legalidade fascista. Vários sindicatos ilegais foram criados e muitos deles publicaram os seus órgãos de imprensa ilegais.
Pergunta-se, camaradas: Era justa esta orientação? Não. Não era justa.
A Direcção do Partido e, particularmente, a Direcção da CIS, não souberam operar a viragem que se impunha no trabalho sindical, não souberam encarar inteligentemente a nova situação criada pelas medidas fascistas. O Partido e a CIS menosprezaram as possibilidades organizativas do fascismo, ao mesmo tempo que sobrestimavam as próprias forças. O Partido e a CIS não se deram conta da impossibilidade da criação de verdadeiros sindicatos ilegais, da impossibilidade de atrair as vastas massas operárias a organizações ilegais. O Partido e a CIS não compreenderam a necessidade de os comunistas «estarem necessariamente onde está a massa», de trabalharem dentro dos sindicatos fascistas. Criou-se a ilusão da própria influência e alguns camaradas adormeceram à sombra da constatação de que havia «sindicatos ilegais com mais aderentes que os sindicatos fascistas do mesmo ramo». As Direcções do Partido e da CIS tomaram os seus desejos como se fossem realidade.
E, entretanto, já Lénine em 1920 escrevera:
«As mais importantes dissertações, tão sábias e tão revolucionárias, dos comunistas de “esquerda” alemães sobre este tema — isto é, que os comunistas não podem nem devem militar nos sindicatos reaccionários, que é permitido renunciar a esta acção, que é necessário retirar-se dos sindicatos e organizar obrigatoriamente uma “liga operária” — toda nova, muito limpinha, muito gentil (e as mais das vezes muito jovem), inventada por comunistas muito gentis, não podem deixar de reduzir-se aos nossos olhos a uma ridícula criancice.» (A Doença Infantil do Comunismo, ed. francesa, p. 38.)
Sem dúvida que as massas operárias viram desde logo nos Sindicatos Nacionais «inimigos de classe». Mas a coacção fascista dum lado, as promessas demagógicas do outro, a sindicalização obrigatória nuns casos, certas vantagens mínimas noutros, levaram as massas operárias a ingressarem nos SN, com maior ou menor gosto, mais ou menos contrafeitas. Isto é: os SN tornaram-se, de facto, amplas organizações de massas.
Esta evolução não foi compreendida de início pelo Partido e pela CIS e nós próprios incitávamos as massas a não entrarem para os sindicatos fascistas, e vulgarizámos a opinião de que entrar para um SN era «uma indignidade». Não há dúvida, camaradas, de que certas palavras de Lénine tinham sido totalmente esquecidas.
«A absurda teoria da não participação dos comunistas no movimento sindical de espírito reaccionário — disse Lénine — mostra precisamente com que ligeireza estes comunistas «de esquerda» consideram a importante questão da influência sobre as «massas» e que abuso fazem nos seus clamores da palavra «massas». Para saber vir em ajuda das «massas», para adquirir a sua simpatia e o seu apoio, é necessário não temer as dificuldades, os vexames, as armadilhas, os insultos, as perseguições da parte dos dirigentes (que, oportunistas ou chauvinistas, têm as mais das vezes relações directas ou indirectas com a polícia) e trabalhar necessariamente onde estão as massas (o sublinhado é de Lénine — D.). É necessário saber consentir em sacrifícios, vencer os maiores perigos, entregar-se a uma propaganda e agitação sistemáticas, persistentes, perseverantes, pacientes, em todas as instituições, associações, organizações — mesmo no seio das mais reaccionárias — em que há massas proletárias ou semiproletárias.» (Obra citada, p. 42.)
Em 1934-35, o nosso Partido, como outros Partidos irmãos, tinha esquecido estas palavras. Mas o histórico VII Congresso da IC em 1935 veio indicar o caminho justo e o nosso Partido compreendeu então a necessidade da viragem que não soubera fazer em 1934.
O camarada Bento Gonçalves notou com razão, no seu informe ao VII Congresso, que «os sindicatos ilegais não fazem nenhum trabalho sério de massas» e que «a actividade de alguns sindicatos ilegais se limita à publicação do seu órgão». Infelizmente o nosso saudoso camarada Bento Gonçalves, que devia dirigir essa viragem, foi preso poucos dias depois da sua chegada a Portugal. Isto veio agravar ainda mais as dificuldades na aplicação da «nova linha». A viragem no sentido do trabalho nos SN encontrou entre nós a resistência de todo um passado de actividade sectária e a concepção quase geral, para que a propaganda do Partido e da CIS muito contribuiu, de que era indigno dum comunista entrar nos sindicatos fascistas. E, entretanto, o camarada Dimitrov fustigara duramente esta atitude dizendo que
«quem tenha esta forma de actuar (o «cavalo de Tróia» — D.) por “humilhante”, pode ser um excelente camarada, mas permiti-me que vos diga que é um charlatão e não um revolucionário, e que não saberá conduzir as massas ao derrubamento da ditadura fascista».
Entre nós, houve camaradas que discordaram da «nova linha», opondo a ela toda a espécie de argumentos «esquerdistas» (o próprio dirigente da CIS e membro do Secretariado do Partido, José de Sousa, que fora preso em 1935 juntamente com Bento Gonçalves, continuou na prisão a defender a «antiga linha» e a discordar da actividade nos SN). Houve camaradas que resistiram passivamente, concordando por favor, mas não fazendo nada de prático no sentido de iniciar a actividade nos SN.
Essas resistências foram, pouco a pouco, vencidas e hoje nenhum camarada dos quadros do Partido discorda da necessidade de trabalhar nos SN. Alguns êxitos se alcançaram, quer levando pela pressão das massas as direcções a defenderem os interesses da classe quer ganhando fortes posições nas próprias direcções dos sindicatos.
Mas na maioria dos SN, as direcções são ainda grupos de traidores à classe operária vendidos ao patronato ou de homens tímidos que se vergam perante o patronato e o fascismo. Em geral, a massa sindicada desinteressa-se do dia-a-dia da vida do sindicato. A maioria dos SN são assim armas nas mãos do patronato e do Estado fascista, que o patronato e o fascismo utilizam para os seus fins de exploração, demagogia e repressão do movimento operário. A nossa tarefa, camaradas, a tarefa dos comunistas e de todos os operários com consciência de classe, é arrancar os SN das mãos da burguesia e do fascismo, é tornar os SN uma arma da classe operária na luta pelos interesses vitais.
Vários factos mostram que esta tarefa será cumprida na medida em que todas as organizações do Partido e cada camarada a encarem com toda a seriedade e atenção, na medida em que os nossos camaradas se decidam, não só a «estarem de acordo» com a linha do Partido, como também a trabalhar com persistência e dedicação dentro da linha do Partido.
A) — Nos últimos tempos têm-se multiplicado as reclamações e diligências das massas operárias junto dos SN. As massas operárias procuram (quer sob a direcção do Partido quer espontaneamente), umas vezes utilizar os SN como caminho para apresentarem as suas reivindicações; outras vezes procuram nos SN um apoio a reivindicações formuladas directamente por meio de Comissões junto do patronato.
Que mostra isto, camaradas? Isto mostra que as massas operárias não se desinteressam dos SN, que, ainda que pouco confiantes nas suas direcções, procuram utilizá-los, fazer pressão sobre as suas direcções, arrastá-los nas suas lutas. Que nos indicam estas acções das massas? Indicam-nos que é acertada a nossa orientação, indicam-nos a necessidade da intensificação da agitação entre as massas no sentido de multiplicar essas diligências junto dos SN, forçando as direcções a acompanharem as lutas reivindicativas ou, caso se neguem a fazê-lo e continuem enganando as massas e defendendo os interesses do patronato, desmascará-las completamente perante as massas e criar nestas a ideia de que é necessário desalojar dos nossos sindicatos as direcções vendidas e substitui-las por direcções honestas, compostas por trabalhadores prestigiados e sérios, quaisquer que sejam as suas convicções políticas ou religiosas.
B) — Em vários casos, pôde verificar-se que direcções dos SN defenderam os interesses da classe contra a exploração patronal e fascista-corporativa.
Que mostra isto, camaradas? Isto mostra que muitos dirigentes sindicais são arrastados pelas lutas operárias, que muitos se não dispõem mais a cumprir incondicionalmente o odioso papel de rafeiros do patronato. Que caminho nos indicam estes factos? Indicam-nos a necessidade de esforço multiplicado junto das direcções sindicais, a necessidade duma pressão cada vez maior das massas sobre elas; indicam-nos que não devemos pôr como única perspectiva aos dirigentes sindicais o rompimento definitivo e ignominioso com a sua classe, a passagem clara e irrevogável para o campo do inimigo de classe. Devemos também abrir-lhes a possibilidade de ganharem a confiança da classe operária, acompanhando as massas trabalhadoras nas suas lutas, mostrando-se, pela sua acção, dignos da sua classe.
C) — Em muitos casos, pôde verificar-se que o patronato e o fascismo abandonaram o sistema dos «contratos colectivos» elaborados por imposição do patronato e com a aceitação servil das direcções de rafeiros, para o substituírem pelo sistema de «portarias», em que os salários e condições de trabalho são fixados pelo governo, por indicação do patronato e sem a participação das direcções dos SN.
Que mostra isto, camaradas? Isto mostra que o patronato e o fascismo não têm confiança em muitas direcções dos SN, que estas os não servem já incondicionalmente como até aqui; isto mostra o afastamento das direcções dos SN do patronato e do governo.
Que caminho nos indicam estes factos? Indicam-nos a necessidade de aprofundar esse afastamento, a possibilidade de atrair à luta operária muitas direcções descontentes e que começam a compreender o seu erro.
D) — Em vários casos, pôde verificar-se que as massas operárias participaram nas eleições das direcções dos SN, elegendo direcções da sua confiança. Em vários casos, as autoridades fascistas recusaram a sua aprovação às direcções eleitas e as massas elegeram outras da sua confiança, elegeram tantas quantas foram necessárias para que uma acabasse por ser aprovada, sob pena do sindicato ter de fechar.
Que mostra isto, camaradas? Isto mostra a justeza da nossa orientação, mostra que existem possibilidades reais de eleger direcções dos SN da confiança dos trabalhadores, direcções apoiadas pelas massas e que defendam os interesses das massas. Que caminho nos indicam estes factos? Indicam-nos a necessidade da mobilização das massas sindicadas para participarem nas eleições das direcções dos SN e elegerem direcções da sua confiança; indicam-nos a necessidade de preparar as massas para elegerem novas direcções de confiança, no caso da primeira eleita ser recusada pelas autoridades fascistas ou, em certos casos, onde a nossa influência é maior e as massas se encontram unidas e combativas, de reeleger a direcção que não foi aprovada tantas vezes quantas forem necessárias; indicam-nos a necessidade de propor nas eleições listas compostas por trabalhadores honestos e prestigiados, verdadeiras listas de frente única e não listas compostas exclusivamente por comunistas, muitas vezes «queimados» perante a polícia e as autoridades fascistas locais (incluindo a Legião) que são quem decide em última instância a aprovação das direcções.
A nossa tarefa em relação aos SN não é já só de infiltração em terreno inimigo: «infiltração» pela base, conquistando adeptos duma atitude combativa entre as massas sindicadas; e «infiltração» pelo cume, conquistando posições isoladas nas direcções dos SN. Não, camaradas. Estão preenchidas as condições fundamentais para passarmos ao assalto em larga escala dos SN, para tornarmos os SN organizações de luta da classe operária.
No Militante de Março de 1943, no artigo «As tarefas dos comunistas nos Sindicatos Nacionais», dizia-se:
«O trabalho dos comunistas em relação aos SN deve desenvolver-se com a seguinte orientação:
1.º — FAZER PRESSÃO CONSTANTE SOBRE AS DIRECÇÕES DOS SN para que defendam as reivindicações exigidas pelas massas operárias e acompanhem as lutas reivindicativas da classe. Essa pressão pode e deve fazer-se quer de dentro dos SN pelos seus associados, quer de fora dos SN com representações de comissões de operários ou da ida em massa à sede do SN exigir que este defenda as reivindicações apresentadas.
2.º — ENTRAR EM MASSA PARA OS SN e aconselhar os trabalhadores a entrarem com a finalidade de transformarem estes de organismos defensores dos interesses do patronato em organismos defensores dos interesses da classe. Dentro dos SN, desmascarar nas suas assembleias a traição das direcções fascistas que não acompanham as massas sindicadas, tomar iniciativas e propostas em benefício dos sindicados, conduzir uma agitação no sentido de levar as massas a frequentarem o sindicato, a fazerem deste “o seu” sindicato, procedendo e impondo a sua vontade numa casa que “é sua”.
3.º — ELEGER DIRECÇÕES DE TRABALHADORES HONESTOS QUE GOZEM DA CONFIANÇA DA CLASSE, quaisquer que sejam as suas convicções políticas ou religiosas.
Tais são as principais tarefas de todos os comunistas em relação aos SN. Isto não deve criar “ilusões sindicais”, nem deve levar a confiar aos SN o movimento reivindicativo. Pelo contrário. Esta acção exige a intensificação da luta reivindicativa fora dos SN, a multiplicação dos movimentos reivindicativos em todas as fábricas e empresas, a formação de Comissões e Comités de Unidade ligados estreitamente às massas e que defendam os interesses das massas, saltando por cima da burocracia sindical fascista.»
A orientação exposta neste artigo conserva ainda toda a justeza. Na realização destas tarefas, todos os comunistas devem pôr o máximo do seu esforço, sacrifício e habilidade. Em cada caso, os nossos camaradas têm de analisar atentamente as condições e as possibilidades e, como dizia Lénine, devem usar, em caso de necessidade, «de todos os estratagemas, usar da astúcia, adoptar processos ilegais, calar-se por vezes, dissimular por vezes a verdade, com o único fim de penetrar nos sindicatos, de aí permanecer e aí cumprir, apesar de tudo, a tarefa comunista». (Obra citada, p. 43.)
Se soubermos agir, camaradas, poderemos, dentro de pouco tempo, ter transformado uma grande parte dos SN em organizações defensoras dos interesses da classe operária, poderemos, também na luta sindical, ter realizado a unidade da classe operária.