Vida, pensamento e luta: exemplo que se projecta na actualidade e no futuro

Discurso na Sessão Comemorativa da Revolução Socialista de Outubro no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa

7 de Novembro de 1975

Camaradas:

Pela segunda vez comemoramos em liberdade a vitória de Outubro.

Antes, no tempo da ditadura fascista, comemorar a primeira revolução socialista vitoriosa, enviar saudações ao povo soviético, editar jornais e manifestos comemorativos, fazer reuniões clandestinas, pichar dísticos revolucionários, hastear bandeiras vermelhas, eram actos de coragem e destemor. Muitos militantes foram presos e maltratados porque na negra noite fascista comemoraram esta data gloriosa, afirmando assim a sua solidariedade para com o país dos sovietes, e a sua determinação de lutar, a sua confiança em que também a Portugal chegaria a hora da libertação.

O facto de que, ano e meio após o derrubamento do governo fascista, podemos pela segunda vez comemorar em liberdade o 7 de Novembro é só por si testemunho da luta vitoriosa do nosso povo contra a reacção, do fracasso das sucessivas tentativas contra-revolucionárias para liquidar as liberdades e instaurar uma nova ditadura em Portugal.

É pois com grande alegria que, associando-nos neste momento às saudações enviadas directamente para a URSS, propomos que daqui enviemos também, deste magnifico comício, as saudações mais calorosas ao povo soviético e ao Partido Comunista da União Soviética - fazendo ardentes votos para que alcancem novas e grandes vitórias no obra exaltante em que estão empenhados: a construção da sociedade mais justa, mais humana e mais democrática que a história jamais conheceu: a sociedade comunista.

O papel da URSS

As realizações do povo soviético não interessam apenas ao povo soviético. Os progressos científicos e técnicos, a transformação das condições de existência material e espiritual dos trabalhadores, o aprofundamento da democracia socialista, a manutenção do potencial militar, interessa igualmente todos os trabalhadores do mundo capitalista, todos os povos em luta pela liberdade e a independência.

Desde 7 de Novembro de 1917 que os trabalhadores de todo o mundo viram na causa da primeira revolução socialista vitoriosa a sua própria causa.

Desde esse já longínquo dia 7 de Novembro de 1917, a União Soviética, guiada pelo Partido de Lénine inspirado pelo marxismo-leninismo, pelo internacionalismo proletário, tem sido ao longo dos anos a maior fortaleza dos trabalhadores de todos os países, dos explorados e oprimidos do mundo inteiro.

Para os trabalhadores portugueses, a vitória de Outubro determinou uma mais rápida tomada de consciência acerca dos seus interesses, das suas tarefas, dos objectivos e da perspectiva da própria luta.

A criação da vanguarda revolucionária da classe operária portuguesa, o Partido Comunista Português, em 1921, está indissoluvelmente ligada à vitória de Outubro, às experiências do proletariado russo e do seu partido - o glorioso partido de Lénine.

Desde então, a luta dos trabalhadores portugueses (como a luta dos trabalhadores de todos os outros países) é indissociável das realizações e vitórias históricas da URSS, do seu apoio e solidariedade inspirados pelos ideais do internacionalismo proletário.

No tempo do fascismo, os países imperialistas, incluindo aqueles onde governavam e governam sociais-democratas, mantinham relações de estreita cumplicidade com o governo português. Nesses duros anos, a social-democracia, que hoje grita, protesta e ameaça porque diz não haver liberdades em Portugal (quando em Portugal existem mais amplas liberdades do que nos países onde governa a social-democracia) nunca elevou a voz contra a supressão das liberdades, contra as violências e os crimes praticados pelo fascismo português. O governos capitalistas da Europa, incluindo os governos sociais-democratas, ajudavam nesse tempo como continuam ajudando hoje as forças do fascismo e de toda a reacção.

Inversamente, a URSS (e com a URSS os outros países socialistas) eram no tempo do fascismo activamente solidários para com os trabalhadores e o povo de Portugal, assim como para com os povos submetidos ao colonialismo português. Elevando o seu protesto contra os crimes fascistas, a URSS recebia revolucionários, concedia bolsas a antifascistas, informava pela rádio o Portugal amordaçado acerca da luta do próprio povo português, e dava um alto exemplo de solidariedade e de fraternidade proletária e humana acolhendo nas suas escolas, mantendo e educando durante muitos anos numerosas crianças, filhos e filhas de lutadores antifascistas assassinados, presos ou clandestinos.

O 25 de Abril criou favoráveis condições para o desenvolvimento das relações entre o povo português e o povo soviético, abrindo uma nova fase de significado histórico: a das relações de amizade entre o Portugal democrático e a União Soviética, assim como com os outros países socialistas.

Portugal está tanto mais profundamente interessado no desenvolvimento dessas relações quanto é certo que o mundo capitalista acolheu com reserva, depois com desconfiança e finalmente com hostilidade, a Revolução portuguesa. Dos países imperialistas vêm-nos pressões diplomáticas, económicas e financeiras, ajudas à contra-revolução, sabotagem pelas multinacionais, promessas de empréstimos ridículos concedidos com condições políticas, tentativas de estrangulamento económico da nossa jovem democracia.

Os países imperialistas continuam a impor-nos a compra das suas mercadorias, mas compram cada vez menos mercadorias portuguesas. Numa situação em que o défice anual do nosso comércio externo sobe a mais de 40 milhões de contos, em que baixam as remessas dos emigrantes e as receitas com o turismo, o desenvolvimento das relações comerciais e de cooperação económica com a URSS e outros países socialistas - relações baseadas na igualdade e no respeito recíproco dos interesses - é de importância vital para a estabilização da nossa situação económica e financeira, para a reactivação da indústria e da agricultura, para a diminuição do desemprego.

Há porém certos políticos que gritam por um lado que Portugal está à beira da ruína e que as reservas estão a esgotar-se e que, por outro lado, põem toda a espécie de obstáculos, de entraves, de campanhas de desinformação e de calúnias ao desenvolvimento do comércio e das relações de cooperação económica com a URSS e outros países socialistas.

Se não fosse a acção reaccionária e tais resistências no aparelho do Estado e no próprio governo, poderiam ter-se vendido quantidades muito superiores de vinho, de tecidos, de confecções, de calçado, de cortiça, de resinas, de amêndoas, de barcos, de elementos metálicos, animando e reanimando largos sectores industriais e agrícolas.

Aqueles que, pelo seu anticomunismo, pela sua submissão aos interesses do grande capital nacional e do imperialismo estrangeiro, entravam o desenvolvimento das relações comerciais e económicas com a URSS e outros países socialistas, tomam pesada responsabilidade no agravamento da situação económica em Portugal, na existência de excedentes sem mercado, na diminuição da laboração de numerosas fábricas e na existência de milhares de desempregados.

Os países imperialistas querem manter Portugal debaixo do seu jugo económico. Querem manter Portugal totalmente dependente e, através da dependência económica, procuram intensificar a ingerência política, o apoio e ajuda às forças reaccionárias e conservadoras, a liquidação da Revolução e a consolidação do capitalismo português associado às multinacionais e a elas submetido. Precisamente porque vêem que o desenvolvimento das relações com os países socialistas é uma porta para a libertação económica de Portugal, procuram impedi-lo a todo o custo.

Nessa luta empregam os mais variados instrumentos, desde a decisão ou falta de decisão ministerial à incúria ou sabotagem de altos funcionários, ao adiamento das negociações, às delongas burocráticas e também à guerra ideológica.

Do arsenal da guerra ideológica faz parte a propaganda contra os chamados «dois imperialismos». Um seria os Estados Unidos, outro seria a União Soviética. É evidente que esta venenosa formulação não visa animar a luta contra o imperialismo norte-americano, mas, pelo contrário, misturando o trigo e a erva daninha, absolver o imperialismo e no concreto justificar uma política anticomunista e os entraves ao desenvolvimento das relações com a URSS e outros países socialistas.

Procura confundir-se o amigo com o inimigo e afastar o novo Portugal do país mais pronto a apoiar e a ajudar desinteressadamente a Revolução portuguesa.

Não é a URSS mas os Estados Unidos que têm bases militares em território português.

Não são os países socialistas mas os países capitalistas que querem determinar qual é o governo que convém e aquele que não convém a Portugal.

Não são os países socialistas mas os países capitalistas que interferem na formação do governo, dizendo quem deve e quem não deve ser ministro, vetando um ministro competente se é da esquerda, mas aprovando um ministro das Finanças se é da sua confiança, mesmo que de finanças não perceba nada.

Não são os países socialistas mas os países capitalistas que exploram os trabalhadores portugueses através das multinacionais, que sabotam a economia, que reduzem a laboração, que paralisam e encerram fábricas, que atiram milhares e milhares de trabalhadores para o desemprego.

Dum lado, temos o imperialismo com a sua exploração, opressão, tentativa de manter o domínio económico e político. Do outro lado, temos a fortaleza dos trabalhadores e dos povos, o grande amigo do povo português na sua luta contra o imperialismo, pela liberdade, pelo socialismo - a fraternal e solidária União Soviética.

O imperialismo, a reacção e as forças consevadoras não conseguirão afastar da URSS o novo Portugal democrático, o povo português do povo soviético.

Os trabalhadores portugueses multiplicarão os laços fraternais com o povo soviético (assim como com os outros países socialistas) e lutarão pelo reforço das relações de amizade de Portugal com a URSS, que são, nas circunstâncias actuais, um aspecto essencial da nossa política externa e uma condição para a conquista da verdadeira independência nacional.

O nosso Outubro chegará também

Certos políticos, entre as muitas acusações que fazem repetidamente ao Partido Comunista, fazem
a acusação de que o Partido Comunista, sem ter em conta as condições reais, quer repetir em Portugal a Revolução de 7 de Novembro de 1917. É um erro do Partido Comunista (dizem eles) porque nem o Portugal de 1975 é a Rússia de 1917, nem o mundo de hoje é o mundo de então.

Assim falando, tais políticos pretendem, por um lado, mostrar que o PCP está fechado em ideias petrificadas e sectárias e é incapaz de definir uma orientação justa. Pretendem, por um lado, criar a ideia de que no Portugal de hoje não é possível uma revolução socialista. A solução dos problemas portugueses seria dada não pela revolução socialista, mas pelo reformismo social-democrata.

Estas acusações e ideias exigem alguns comentários.

Em primeiro lugar, o PCP de há muito defende que as revoluções não se fazem seguindo modelos, ou clichés, ou receitas aprendidas nos manuais. Tem sido na base da análise da realidade portuguesa que o PCP tem definido a sua linha política, as tarefas, o sistema de alianças, as formas de luta, a via da Revolução. Precisamente ao contrário do que dizem os detractores do PCP, o que caracteriza a política e a táctica do PCP (com mais evidência depois do 25 de Abril) não é qualquer apego a ideias feitas, mas a definição de uma orientação original correspondendo à originalidade da situação e do processo revolucionário português.

Quem quer repetir mecanicamente em Portugal o que se passou noutros países não somos nós, os comunistas, mas precisamente os nossos críticos. São eles que são incapazes de compreender as características específicas e originais da Revolução portuguesa. São eles que estão petrificados nos conceitos importados da social-democracia. São eles que querem repetir em Portugal os regimes parlamentares do capitalismo existentes na Europa, sem compreenderem, além do mais, que, nas condições existentes em Portugal, tais regimes não têm qualquer viabilidade, porque, se é certo que o povo português está decidido a defender as mais amplas liberdades, está também decidido, com igual determinação, a defender as conquistas da Revolução e a pôr definitivamente fim ao poder dos monopólios e dos agrários.

Não se trata portanto para nós de copiar mecanicamente experiências de outros países, de querer copiar mecanicamente a Revolução de Outubro ou qualquer outra revolução socialista, mas de, tendo em conta essas experiências, procurar a solução correspondente à nossa situação e aos nossos problemas, e essa solução é a construção duma democracia a caminho do socialismo.

Em segundo lugar. Se Portugal de 1975 não é a Rússia de 1917 e o mundo de hoje não é o mundo de então, há traços comuns essenciais nos países do sistema capitalista que imprimem necessariamente traços comuns às revoluções que neles têm lugar. Há um proletariado explorado e uma burguesia exploradora, há forças revolucionárias, há os interesses, as aspirações e os objectivos da classe operária e das amplas massas populares em pôr termo ao capitalismo, à exploração, a todas as formas de opressão.

Os dirigentes sociais-democratas talvez se dessem por satisfeitos se o PCP capitulasse perante a pressão da reacção, da social-democracia, do oportunismo de direita e de esquerda e definisse como seu programa a construção duma democracia burguesa em Portugal.

Mas o PCP, vanguarda revolucionária da classe operária, partido marxista-leninista, não capitula, não se converte ao social-democratismo, permanece fiel aos interesses e aos objectivos do proletariado, continua considerando como tarefa histórica a revolução socialista, a liquidação do capitalismo, a construção duma sociedade sem exploração do homem pelo homem, a sociedade socialista e depois a sociedade comunista.

E é por isso que, embora tendo em conta que, na actualidade, estamos ainda desenvolvendo uma revolução democrática e nacional, nunca perdemos de vista essa tarefa histórica, tudo fazemos e tudo faremos para que a revolução socialista seja finalmente levada a cabo na nossa terra. A revolução socialista, a liquidação da exploração, a construção duma sociedade sem classes é a nossa estrela polar. Por ela nos guiamos e confiamos que assim não perderemos o norte e alcançaremos (de absoluta certeza alcançaremos) tais objectivos.

A revolução socialista não se inicia nem se realiza por se chamar socialista a uma revolução democrática, Há muitos que dão vivas à revolução socialista quando de facto nem sequer estão entusiasmados com a revolução democrática. Mas contra as esperanças e projectos da reacção e dos reformistas burgueses, a Revolução democrática portuguesa abriu o caminho para o socialismo.

Tendo por isso em conta a diversidade das revoluções e as características específicas e originais da Revolução portuguesa, insistimos em dizer que em Portugal não queremos (e mesmo se quiséssemos não seria viável com um mínimo de estabilidade) um sistema capitalista com regime parlamentar. Queremos as liberdades, mas não queremos o domínio dos monopólios e dos agrários. Se soubermos defender a nossa jovem democracia, caminharemos inevitavelmente para o socialismo.

A nossa tarefa é combater e derrotar a reacção, defender as liberdades e romper caminho para a revolução socialista, que não será (nem queremos que seja) copiada de qualquer outra, mas que nada terá a ver com uma democracia burguesa governada pela social-democracia e que terá muito de comum com as outras revoluções socialistas.

Aqueles que, dizendo-se socialistas, expressam um ódio profundo aos países socialistas, ao mesmo tempo que tecem louvores às democracias burguesas, não são socialistas. Não querem o socialismo, mas a consolidação do capitalismo português hoje ameaçado de morte pela Revolução.

De uma forma ou de outra chegará finalmente o dia em que os trabalhadores serão senhores do seu destino, o dia em que será instaurado um poder revolucionário, o dia em que será construída toda uma nova sociedade, o dia em que será abolida a exploração, o dia em que os recursos nacionais e o produto do trabalho criador será em benefício de quem trabalha.

Nesse sentido insistimos em afirmar, tanto como nosso propósito como nossa esperança, que aqui em Portugal o nosso Outubro chegará também.

Isto não significa que o único caminho para o socialismo será uma insurreição. Poderá não soar o tiro do nosso Aurora nem se verificar o assalto ao nosso Palácio de Inverno. Tudo faremos para tornar possível o caminho pacífico para o socialismo. Tudo faremos para que seja explorado ao máximo de profundidade o potencial revolucionário original revelado no processo da Revolução portuguesa. Outubro significa mais que insurreição. Significa mais que tal ou tal sistema de aliança e tal ou tal estrutura de Estado. Outubro significa o dobre de finados do capitalismo e, embora sem pressas, sem precipitações, sem a impaciência de queimar etapas, sabendo avançar e sabendo recuar, tudo faremos para que esse dobre de finados acabe por soar na nossa própria Pátria.

O poder político e o MFA

Na crise profunda que a Revolução portuguesa continua atravessando, o que está em causa é no fim de contas precisamente a perspectiva de desenvolvimento da Revolução portuguesa. Vamos para o socialismo ou para uma recuperação do capitalismo?

A Revolução democrática portuguesa avançou tanto que, sem a destruição das liberdades, sem uma nova ditadura reaccionária, a reacção não conseguiria liquidar as conquistas revolucionárias alcançadas, anular as nacionalizações e forçar a recuperação das terras pelos agrários.

A recuperação das posições do capitalismo não é possível existindo as liberdades, porque, exercendo as liberdades, o povo português não consentirá que lhe sejam roubadas as conquistas da Revolução, Só pela violência e o terror seria possível roubá-las. Por isso dizemos que as alternativas de reassimilar a Revolução portuguesa e forçá-la aos moldes da social-democracia conduziriam não a um regime democrático, mas a uma nova ditadura fascista.

O «socialismo em liberdade» que alguns prometem não seria nem socialismo, nem liberdade. Seria capitalismo sem liberdade. Seria um passo certo para a instauração duma nova ditadura fascista.

Nas condições existentes em Portugal, as liberdades defendem-se não com uma política social-democrata, mas no caminho para o socialismo.

A luta que temos por diante é extremamente complexa dada a profunda crise politico-militar que se mantém e se prolonga.

A crise atingiu gravemente os órgãos do poder político (MFA e governo), e sem se encontrar uma solução para a crise que os órgãos do poder continuam atravessando não se podem resolver os outros graves problemas.

O PCP insiste na urgência de procurar e encontrar uma solução para o problema do poder político. As remodelações que se verificaram no MFA, designadamente nos seus órgãos superiores, e a criação do VI Governo Provisório não conduziram a uma solução da crise em nenhum dos seus aspectos, mas ao seu agravamento. Nem sequer o problema da ordem e da autoridade de que alguns quiseram fazer o problema central. A autoridade do poder é cada vez mais contestada. A repressão poderá impor a ordem e a autoridade, uma ordem e uma autoridade de tipo reaccionário, mas não a ordem democrática, não a autoridade democrática.

Do agravamento da situação posterior às remodelações nos órgãos do poder é necessário tirar as necessárias lições de forma a vencer o impasse.

As divisões e incertezas nos órgãos do poder, a multiplicidade de centros de decisão, a grande instabilidade político-militar, enfraquecem a capacidade de resistência à contra-revolução. A falta de um poder político sólido, autorizado, contando com a confiança do povo trabalhador, impede a estabilização da situação político-militar e a definição e aplicação duma política que resolva os grandes problemas económicos, sociais e culturais que defrontamos.

No imediato, para se alcançarem tais objectivos é imprescindível um reforço e reanimação do MFA como movimento progressista e vanguarda revolu­cionária das Forças Armadas e é imprescindível o reforço das posições dos sectores revolucionários (civis e militares) no Governo Provisório.

Certos radicalistas consideram que o MFA já nada conta na Revolução portuguesa, seja porque o consideram praticamente dissolvido, seja porque o consideram direitista. Em correspondência com esta atitude, formam um juízo completamente negativo em relação ao Conselho da Revolução, que alguns chamam o «Conselho da Contra-Revolução».

Tais atitudes, profundamente erradas, têm uma influência desorientadora, são divisionistas e liquidacionistas, tendem a isolar a esquerda revolucionária e coincidem de facto com o objectivo da reacção e das forças conservadoras de dissolver o MFA para que os elementos reaccionários e conservadores se tomem os senhores absolutos das Forças Armadas, criando as condições essenciais para lançarem um golpe, liquidarem a nossa democracia em construção e instaurarem uma nova ditadura.

O MFA atravessa sem dúvida sérias dificuldades resultantes do peso que estão a exercer sectores militares que nada têm a ver com o MFA a não ser o ódio que lhe votam. O Conselho da Revolução, como resultado de Tancos, viu-se amputado de oficiais progressistas.

Mas por muito que estas palavras desagradem aos radicalistas, o MFA e o Conselho da Revolução continuam a ser necessários. A luta das forças progressistas não deve ser para liquidar o MFA e para liquidar o Conselho da Revolução, mas, pelo contrário, para que seja reforçado o MFA como movimento progressista e vanguarda revolucionária das Forças Armadas e para que seja reforçado o Conselho da Revolução com uma participação mais significativa das tendências revolucionárias.

É tempo de que as tendências principais do MFA procurem com toda a seriedade uma reaproximação e reunificação, que se traduza na orientação política e nas estruturas orgânicas.

Pode ser que os acontecimentos nos venham no futuro obrigar a ver o problema em termos diferentes. Mas continuamos a considerar necessário e possível o reforço e a revitalização do MFA de forma a poder continuar a ser uma componente essencial da Revolução portuguesa.

O grande movimento dos soldados contra saneamentos à esquerda, contra comandos reaccionários, em defesa das conquistas da Revolução, não se deve opor ao MFA, mas contribuir para a sua revitalização numa base revolucionária.

A Revolução precisa de Forças Armadas eficientes, disciplinadas, capazes de, ao serviço da Revolução, cumprir as missões que lhes sejam atribuídas.

Os militares portugueses que visitam os países socialistas trazem de lá uma forte impressão da disciplina existente nas forças armadas. A RTP também tem transmitido filmes que mostram as forças armadas dos países socialistas, a sua disciplina e preparação. Há quem procure com esta propaganda desenvolver uma campanha psicológica para que se aceitem medidas disciplinadoras nas Forças Armadas portuguesas. Mas não é com a composição actual do poder que se pode alcançar tal disciplina. Ela só será possível com a consolidação das vitórias revolucionárias e o prosseguimento da Revolução, rumo ao socialismo.

A disciplina e a eficiência ao serviço da Revolução não se conseguem com saneamentos à esquerda e licenciamentos em massa, com o enfraquecimento ou dissolução de unidades dedicadas à Revolução, com a criação de um exército profissionalizado, com gente escolhida a dedo, com manobras para educar as tropas na ideia da guerra civil, da luta do Norte contra o Sul, do hipotético esmagamento do Sul revolucionário pelo Norte reaccionário. Este não pode ser o programa de manobras para educar as tropas nas ideias da Revolução.

A disciplina e a eficiência militar ao serviço do novo Portugal democrático conseguem-se com o afastamento de reaccionários de lugares de responsabilidade nas Forças Armadas, com a designação para postos responsáveis de pessoas dedicadas à causa da Revolução, com a coincidência da linha de comando com a linha de confiança e prestígio revolucionário.

Para vermos o caminho que temos a percorrer para criar forças armadas que correspondam às exigências da Revolução portuguesa, seria útil mostrar, por ocasião das comemorações da Revolução de Outubro, não apenas a realidade actual das forças armadas soviéticas, mas a formação, cinquenta anos atrás, do Exército Vermelho, substituindo o velho exército que servira a Rússia dos tsares.

O problema do governo

Quanto ao governo, não é com a participação de um partido que representa abertamente a reacção - o PPD - que se pode lutar contra esta. Não é com uma viragem à direita que se alargará a base de apoio. Tão-pouco a alternativa poderá vir a ser um governo PPD-PS ou um governo exclusivamente PS-militares, como os dirigentes do PS começam a defender, mostrando bem a sua gula de poder e o significado real da sua vocação pluralista.

Se o VI Governo Provisório está já significando uma redução da base de apoio social, nas classes e camadas trabalhadoras, que o obriga a recorrer de forma crescente à repressão, um governo PPD-PS ou um governo monopolista do PS com um sector correspondente nas Forças Armadas encontraria tal resistência do nosso povo que ou não teria longa vida, ou se aguentaria no poder à custa da repressão, caminhando rapidamente para a instauração duma nova ditadura.

Os acontecimentos nos últimos dias causam a este respeito profunda preocupação.

O PCP não defende a utilização de certas formas de luta que buscam sistematicamente o choque, o confronto, a oposição global a todas as estruturas e todas as decisões, a contestação pela contestação, a indisciplina pela indisciplina, a agudização forçada de cada situação concreta jogando e arriscando todas as forças e todas as possibilidades para obter um êxito limitado ou até para defender uma posição indefensável. O PCP opõe-se ao aventureirismo esquerdista, que em numerosas circunstâncias tem conduzido os trabalhadores e as forças de esquerda a pesadas derrotas.

Ao mesmo tempo, o PCP sublinha que a autoridade não se ganha com o uso de métodos repressivos, mas fundamentalmente com a adopção de medidas políticas acertadas. Os problemas que existem na comunicação social não se resolvem nomeando para altos cargos do sector pessoas que não tenham condições para exercê-los, confundindo comunicação social com guerra psicológica, lançando a política do cacetete e da bomba lacrimogénia, utilizando desnecessariamente a violência policial ou mandando colocar cargas de plástico para destruir e silenciar instalações de rádio.

Os problemas políticos exigem soluções políticas, e mal irá o poder se procurar encobrir a incapacidade para encontrar as soluções políticas através duma política repressiva.

O PCP apoiou os esforços do primeiro-ministro, almirante Pinheiro de Azevedo, para a formação do VI Governo Provisório, porque a alternativa que se colocava na conjuntura então existente era a de um governo abertamente da direita, e não um governo à esquerda. Aceitou que membros do PCP fizessem parte do governo por entender defender assim melhor os interesses dos trabalhadores e da Revolução. Mas insiste em que a composição do governo não corresponde nem às tarefas a que se propôs, nem às necessidades da Revolução portuguesa. Um partido reaccionário como é o PPD nada tem a fazer num governo que afirma querer realizar uma política democrática, em defesa das conquistas da Revolução, no caminho do socialismo.

A luta contra a reacção (com medidas preventivas para impedir um golpe da direita) deveria ser considerada tarefa primordial do governo. É evidente que, dentro do governo, procuram impedir ou entravar a luta contra a reacção aqueles que são seus representantes ou seus aliados.

O problema do governo é inseparável do problema do MFA e do reforço da representação das tendências revolucionárias do MFA, tanto no Conselho da Revolução como no próprio Governo Provisório.

Os dirigentes do PS e do PPD, tal como fizeram imediatamente antes do 11 de Março, insistem em afirmar que não há perigo de golpe da direita. Tal como antes do 11 de Março, insistem em fazer alarme em torno dum imaginário golpe da esquerda.

O PS e o PPD, ajudando-se reciprocamente e apoiando-se noutros sectores ainda mais reaccionários, voltam-se cheios de ferocidade contra as forças da esquerda, fazem a guerra a oficiais progressistas, preparam no fim um terreno favorável para um golpe da direita.

Impõe-se nestes dias uma insistente vigilância para com as actividades da reacção e intensificar a batalha política para unificar as forças revolucionárias existentes, de forma a fazer face a qualquer golpe de surpresa dos contra-revolucionários e seus cúmplices.

O perigo é real e estão interessados em fazer-lhe frente todos os trabalhadores, todos os antifascistas, sejam comunistas ou socialistas, sejam católicos ou não-católicos.

Sobrepondo-se à política de divisão inspirada pelas forças reaccionárias, à intriga anticomunista, às alianças com as forças reaccionárias, à desagregação esquerdista, todos aqueles que não querem que volte o passado fascista, todos aqueles que querem construir um Portugal democrático e caminhar para o socialismo, acabarão por saltar por cima das interdições e excomunhões dos arautos e chefes do divisionismo (da direita e da «esquerda») e acabarão por unir-se ombro com ombro, fraternalmente, na luta contra os inimigos da Revolução e na obra criadora na construção da nova sociedade.

Os trabalhadores e o socialismo

Na Revolução portuguesa, na liquidação do poder dos monopólios e dos latifundiários, nas reformas profundas da nossa economia e da nossa sociedade, nas nacionalizações e na reforma agrária, estão profundamente interessados não apenas a classe operária, mas os pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais, os intelectuais, os artesãos e outras classes e camadas exploradas e arruinadas pelos grandes capitalistas e pelos grandes agrários.

A classe operária (os trabalhadores das cidades e dos campos) constitui a classe mais revolucionária, a mais consequente, a mais organizada, aquela que tem a desempenhar um decisivo papel em toda a transformação revolucionária da sociedade. Mas, como mostrou o exemplo da Revolução de Outubro, e mostram todas as revoluções socialistas até hoje realizadas, a vitória do socialismo só pode ser alcançada se a classe operária se alia a outras classes e camadas sociais, se sabe tomar com determinação a defesa dos seus interesses, se encarna na sua acção prática revolucionária as aspirações e objectivos das mais amplas massas populares.

No caso da Revolução portuguesa, o papel dos militares revolucionários é de primeiro plano, na luta política geral e na constituição da força política de vanguarda do processo revolucionário. O papel dos quadros e dos intelectuais é também do mais alto valor. Mas é à classe operária, é aos trabalhadores, que cabe a tarefa fundamental, não apenas de dar o seu trabalho e o seu esforço, mas de dar a sua capacidade de organização e de direcção.

Dizem agora políticos elitistas que os trabalhadores não estão em condições de dirigir a reforma agrária, de dirigir as empresas.

Mas, precisamente ao contrário do que dizem esses senhores, nós vemos que são os trabalhadores que estão em muitos casos a dirigir com sucesso empresas e explorações agrícolas, onde o patronato e os tecnocratas reaccionários provocavam a falência, a ruína e o desemprego.

Por muito que custe aos monopolistas da sabedoria, os trabalhadores não só são capazes de dirigir sectores da economia como serão capazes de governar o País.

Precisamente hoje, ao comemorarmos a Revolução de Outubro, ao comemorarmos a criação do primeiro governo de operários e camponeses, devemos lembrar e reter essa lição histórica: a sociedade socialista serão os próprios trabalhadores a construí-la, o Estado socialista serão os próprios trabalhadores a governá-lo. Só quando os trabalhadores governarem se poderá dizer estarmos numa Revolução socialista.

Depois da Revolução de Outubro, ante a sabotagem política do alto funcionalismo, quem assegurou por exemplo o funcionamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Foram os diplomatas e os burocratas reaccionários do tsar? Não, aqueles que asseguraram o funcionamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que deram os primeiros quadros para a reorganização dos seus serviços, não foram os burocratas tsaristas, mas os operários da fábrica Siemens-Shukart de S. Petersburgo (hoje Leninegrado).

Infelizmente, nós não chegamos ainda lá, mas estamos certos de que, se a Revolução demitisse certos diplomatas contra-revolucionários que enxameiam nas embaixadas e nos consulados e colocasse nessas funções trabalhadores vindos das fábricas, assistidos por especialistas, o trabalho do nosso aparelho diplomático, apesar da inexperiência dos novos quadros, estaria mais de acordo com as necessidades e interesses da Revolução portuguesa.

fi necessário que certos senhores que dizem ser partidários da Revolução socialista compreendam finalmente que a Revolução socialista não é uma dádiva feita aos trabalhadores, mas é, tal como em Outubro, a própria revolução dos trabalhadores e dos seus aliados.

Não podem estar com o socialismo aqueles que não compreendem nem respeitam os trabalhadores, aqueles que consideram que a sua gente são os capitalistas e os agrários, aqueles que em todas as situações concretas tomam o partido dos exploradores contra os explorados.

A construção do novo Portugal democrático a caminho do socialismo é uma obra exaltante em que está interessado todo o nosso povo. A unidade da classe operária, a unidade das massas trabalhadoras, a unidade de todas as classe e camadas interessadas na Revolução constituem um factor de importância decisiva para a vitória final.

Em toda a parte, nas fábricas, nas empresas, nos portos, nos campos, nos sindicatos, nos bairros, nas organizações unitárias de base, em toda a parte, os comunistas, hoje como sempre, estão prontos a unir-se em acções concretas com todos aqueles que queiram pela sua parte unir-se aos comunistas na luta contra a reacção, contra a viragem à direita, em defesa da liberdade e das outras conquistas da Revolução, na luta pela construção de um regime de amplas liberdades, rumo à sociedade sem explorados nem exploradores, na rota gloriosa aberta pela grande Revolução Socialista de Outubro, que hoje comemoramos!
Viva a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas!

Viva a amizade do PCP com o PCUS e do povo soviético com o povo português!

Vivam os países socialistas, libertados da exploração e da opressão!

Vivam os povos que se libertam do imperialismo!

Viva Portugal Democrático a caminho do Socialismo!

Viva a fraternidade internacionalista dos trabalhadores de todos os países!

Viva a causa invencível do Comunismo!

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1976
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