Vida, pensamento e luta: exemplo que se projecta na actualidade e no futuro

Discurso de Homenagem a Catarina Eufémia, em Baleizão

22 de Maio de 1983

Nota: Discurso pronunciado de improviso.

Camaradas:

O dia de hoje tem para nós múltiplos significados.

É a homenagem a uma heroína do povo, mulher que viveu, lutou, deu a vida em defesa dos interesses e do futuro dos trabalhadores.

É uma afirmação da determinação de luta do proletariado alentejano, porque Catarina não só é um exemplo de uma militante comunista mas um símbolo da consciência de classe, do espírito de luta de toda a classe.

É uma afirmação da vontade de defender, continuar e realizar inteiramente a Reforma Agrária.

É uma afirmação da determinação do Alentejo proletário, popular, de defender Portugal de Abril.

E também uma afirmação do papel do PCP, como incontestada vanguarda dos trabalhadores, na luta pela Reforma Agrária e na sua defesa.

A situação política tem sido ao longo dos anos extremamente instável.

Cada ano, quando aqui nos reunimos, reunimos em condições políticas diferentes.

No ano passado, avançava a galope a contra-revolução dirigida pelos governos «AD».

Com a revisão da Constituição e a Lei de Defesa Nacional era a ameaça do golpe de Estado num futuro próximo imediato.

Os objectivos que então se colocavam na nossa luta eram a demissão do governo «AD», a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições antecipadas.

O povo, tendo a classe operária na vanguarda, lutou com tenacidade, heroísmo e confiança e esses objectivos foram alcançados. O governo «AD» foi demitido, Balsemão foi para a rua. Freitas do Amaral foi para a rua. Fracassou o plano de assalto às Forças Armadas. Fracassou a tentativa de formação de um novo governo «AD». Foi dissolvida a Assembleia da República onde havia maioria «AD». E foram realizadas as eleições.

O resultado das eleições confirmou essas estrondosas derrotas da «AD»: deixou de haver maioria «AD»; o povo votou contra a «AD» para que PSD e CDS saíssem do governo, para uma alternativa democrática.

Nós festejámos a derrota da «AD», alertámos contra o perigo: a continuação do PSD (e CDS) no governo pela mão do PS.

Confirmando as previsões e advertências do PCP é isso que Mário Soares está a cozinhar: um governo do PS com o PSD.

Governo do PS com o PSD para que política?

Podemos estar absolutamente certos.

A constituir-se tal governo, será o agravamento das condições de vida dos trabalhadores; será o aumento de preços; será o desprezo pelos pequenos e médios agricultores; será a estagnação da produção industrial e agrícola; será a ofensiva contra as nacionalizações e a Reforma Agrária; será o sacrifício dos grandes planos de desenvolvimento (como o do Alqueva e o das pirites alentejanas); serão as concessões aos Estados Unidos, designadamente facilidades na Base de Beja.

Muitos dos que votaram no PS votaram enganados. Muitos estão já arrependidos. Se se formar tal governo, com tal política, os trabalhadores e o povo em geral dar- -lhe-ão combate como deram combate ao governo «AD».

E estamos absolutamente certos de que um governo que continue a política do governo «AD» estará condenado à derrota.

Entre os problemas fundamentais da situação política e económica do País destaca-se a Reforma Agrária.

A Reforma Agrária constituiu e continua a constituir um imperativo de carácter económico, social e patriótico.

No domínio da produção e do desenvolvimento agrícola, os trabalhadores desbravaram, cultivaram, terras abandonadas, diversificaram as culturas, aumentaram a produção agrícola e o efectivo pecuário, construíram novas instalações, introduziram numerosas benfeitorias.

No domínio das condições de trabalho e de vida, a Reforma Agrária pôs fim ao desemprego e aumentou os salários, introduziu valiosos benefícios sociais, assegurou às crianças condições que jamais tinham tido os seus pais, realizou importantes obras de apoio à terceira idade, desenvolveu importantes iniciativas culturais.

A Reforma Agrária é uma realização de alcance e significado históricos. Na Reforma Agrária, os trabalhadores mostram ser capazes de dirigir e orientar a agricultura, de aumentar a produção e a produtividade, de realizar em pouco tempo uma obra notável, em contraste com as explorações agrícolas privadas onde o atraso e as terras abandonadas são as marcas da propriedade privada dojs latifundiários.

A ofensiva contra a Reforma Agrária é uma história já larga de ilegalidades, de abusos, de violências, de destrui- ções e de crimes.

São verdadeiros crimes o roubo de terras, as reservas ilegais, as alterações e majorações de reservas, as distribuições a falsos agricultores, o roubo de máquinas e de gados, o corte de créditos, o roubo da cortiça, o processo de execuções fiscais por falsas dívidas ao Estado, quando este se recusa a pagar 16 milhões de contos que deve às UCPs/Cooperativas.

É um verdadeiro escândalo o tratamento discriminatório para as UCPs/Cooperativas, às quais é negado tudo aquilo que se reconhece ou facilita aos latifundiários.

No que respeita à cortiça reconhecem a propriedade da cortiça aos agrários, mas pretendem que a cortiça das UCPs/Cooperativas vá para o Estado.

No que respeita ao Crédito Agrícola de Emergência foi cortado às UCPs, mas é concedido para investimentos aos agrários que entretanto os gastam como melhor entendem, de forma que os Mercedes aparecem para aí como cogumelos.

No que respeita às dívidas são perdoadas aos agrários, suspendendo processos em curso, ao mesmo tempo que se multiplicam as execuções fiscais às UCPs e o governo se recusa a converter em linhas de crédito a longo e médio prazo valores gastos pelas UCPs em investimentos.

Às UCPs é descontado dinheiro do CAE no acto de liquidação dos cereais entregues, ao mesmo tempo que aos agrários nada descontam.

E mostrando com arrogância o seu comportamento completamente ilegal, o governo «AD» demitido recusa cumprir as decisões do Supremo Tribunal Administrativo.

Até 12 de Maio de 1983 foram pronunciados 171 acórdãos favoráveis às UCPs/Cooperativas. 144 de anulação das decisões do governo. 22 suspendendo a execução. 116 transitaram em julgado.

E entretanto o MAP não cumpre as decisões dos tribunais, entrega as terras e não as devolve. Nem num só caso o governo restituiu as terras às UCPs/Cooperativas.

O governo coloca-se fora da lei, fora da justiça, fora do direito. Governo que usurpa o Poder. O governo coloca-se em completa rebeldia ao recusar-se a cumprir as decisões dos tribunais.

Quais os resultados da ofensiva contra a Reforma Agrária?

Foi a paralisação do progresso agrícola, a destruição de colheitas, a destruição de lagares e benfeitorias, a destruição de gado, máquinas roubadas a criar ferrugem, terras entregues aos agrários e abandonadas e o desemprego que aumenta dia a dia, alastrando de novo a miséria e a fome.

A ofensiva contra a Reforma Agrária viola frontalmente a Constituição, contra a legalidade democrática, contra os direitos dos trabalhadores, contra o bem-estar do povo, contra a produção agrícola, contra a economia nacional, contra os direitos as liberdades dos cidadãos.

A ofensiva contra-revolucionária tem assestado duros golpes na Reforma Agrária.

Mas os trabalhadores defenderam heroicamente a Reforma Agrária, com as acções de massas, com resistência a brutais intervenções repressivas, a espancamentos e baleamentos, com sangue de trabalhadores assassinados, e com trabalho incansável para assegurar a produção.

Em 1976 os inimigos da Reforma Agrária pensavam que iriam rapidamente destruí-la.

Mas não o conseguiram. Sete anos passados, a Reforma Agrária continua de pé, continuam de pé 279 UCPs/Cooperativas, em mais de 500 000 ha de terra e em breve, em 23-24 de Julho, a 7ª Conferência da Reforma Agrária, grandiosa realização com 2500 delegados das UCPs/Cooperativas, do sector privado, dos agricultores e de técnicos, será uma poderosa afirmação dá Reforma Agrária como realidade nacional inseparável do regime democrático. Será a decisão colectiva e democrática acerca da orientação dos trabalhadores para defesa da Reforma Agrária e dos seus direitos, para o aumento da produção e da produtividade. Será uma confirmação da determinação dos trabalhadores em defender a mais bela conquista da Revolução.

Que há a esperar de um governo PS-PSD quanto à Reforma Agrária?

Nós lembramo-nos que a ofensiva começou com o governo PS sozinho e foi-se agravando até adquirir aspectos de criminosa cruzada com os governos «AD».

De um governo PS-PSD há a esperar novos ataques à Reforma Agrária.

Que ninguém ponha dúvidas em que o PCP lutará firmemente em defesa dos interesses dos trabalhadores, em defesa dos interesses dos pequenos e médios agricultores, em defesa da Reforma Agrária, por uma alternativa democrática, por um governo democrático.

Apoiamos inteiramente a reclamação dos Secretariados e Uniões das UCPs/Cooperativas Agrícolas de Beja, Évora, Portalegre, Santarém e Setúbal, de 11-5-1983 para que o governo a formar deixe em paz as UCPs/Cooperativas para que elas possam trabalhar e produzir.

Apoiamos inteiramente as reclamações:


  • fim da ofensiva e dos ataques à Reforma Agrária;

  • rectificação das ilegalidades cometidas;

  • reposição da legalidade democrática, com cumprimento dos 171 acórdãos do STA, dos quais 114 transitados em julgado;

  • fim do cerco económico e financeiro à Reforma Agrária;

  • apoio técnico, preços justos e crédito acessível;

  • acerto de contas entre o Estado e as UCPs/Cooperativas;

  • revogação da legislação contra a Reforma Agrária, designadamente da lei-roubo da cortiça;

  • fim à corrupção e ao compadrio no MAP e Serviços Regionais;

  • fim às terras abandonadas e ao desemprego;

  • criação de um clima de estabilidade que permita aos trabalhadores das UCPs/Cooperativas investirem e produzirem em paz e segurança.

Hoje, aqui, na homenagem à militante comunista caída na luta, podemos confirmar que os trabalhadores sempre contaram, contam hoje e contarão sempre na sua luta com o PCP.

Sempre com os trabalhadores, sempre com o povo, o PCP continuará a luta em defesa dos interesses vitais de quem trabalha, em defesa da Reforma Agrária, em defesa do Portugal de Abril!

A luta é dura e difícil, mas a nossa causa é invencível e acabará por vencer.

Os direitos dos trabalhadores serão assegurados.

As terras roubadas serão recuperadas.

As terras abandonadas pelos agrários passarão para as mãos dos trabalhadores, serão cultivadas, pôr-se-á fim ao desemprego.

A Reforma Agrária (parte inalienável do regime democrático português e imperativo económico e social do País) retomará o seu curso, os latifúndios serão liquidados e as terras dos latifúndios serão entregues a quem trabalhaaos trabalhadores agrícolas e aos pequenos e médios agricultores.

Continuaremos a luta contra a formação de um governo do PS com os partidos reaccionários, a fim de continuar no essencial a política da «AD».

Se for formado acabará por ter a mesma sorte do governo «AD».

Continuaremos a luta pela formação de um governo democrático no qual, para que os grandes problemas nacionais sejam resolvidos, é condição indispensável a participação do PCP.

Edições

1988
Edições «Avante!»
Edição n.° 1
Portugal